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Canção para não morrer

agosto, 2023

Aqui, aos pés da cruz, já
não choro como antes
chorava. Os amores perdidos,
as promessas desfeitas: os
vejo como quem vê uma
flor, um oceano, uma parede.
Retornei aos meus anos divinos
e nada encontrei, fui atrás dos
amores sinceros e nada obtive.
Agora me sento aqui, no banco
de um museu, e observo cristo
na cruz. A estátua de madeira,
como tantas nesse lugar, os olhos
fechados a cara de lado, como
quem ainda quase morreu.
Não me comovo. Permaneço
aqui, claro-escuro, o coração na
boca o vendaval no peito. Não
me permito mais escrever
poemas como antes: me sinto
velho, e aos poucos relembro
as vidas passadas. As dores de ontem,
as mágoas de hoje, a vida de amanhã.
Ouço o estreito passo, como se
arrastando em marulho. Não preciso
de mais nada: estou só, mas a
humanidade é minha irmã e, por
isso, não temo, antes, sossego -
como quem já não espera pelo
impossível milagre, como uma
criança que, depois do choro,
enxuga a cara e corre para o mar
(o sorriso cravado na fronte, a
esperança à espera da enchente).
Recordo os breves assuntos, os
quase-acenos, os impérios desaparecidos.
Assim seremos também, os que vivem.
Nasço e renasço num estouro, o
exato barulho da fonte. Aqui estou,
aqui permaneço: nada não
tenho e, por isso mesmo,
amo.

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