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Poemas

junho, 2023

de perto o cenário
lembra um parque de diversões,
de longe somos só dois conhecidos
empurrando o amor com os ombros.
de longe eu penso nas velhas
amizades, nas feridas
ainda abertas nas perguntas
e respostas que se intercalam.
de longe é tudo bem óbvio,
mas ainda assim desaba da noite
uma chuva que assusta.

***

assim como eu
o vizinho do lado sobe
e desce escadas,
abre e fecha portas,
sai de casa e se despede,
corta os cabelos, diz
“boa tarde” e “muito obrigado”.
na rua, ele se depara
com pássaros,
com plataformas de petróleo,
semáforos, com guindastes
e bombas de gasolina;
é o mundo como o conhecemos:
parte um sinal de alerta,
parte um comercial
de seguro de vida.
Só o conheço de vista,
como dizem, e sei muito
pouco sobre os seus piores
hábitos. Mas ele, assim
como eu, se esconde
nas frestas da mesa
de trabalho, procura agulhas
num palheiro e só encontra
a sua própria ruína,
disfarçada de boleto de aluguel
e trancada a sete chaves.

***

sou o quarto da minha geração.

o primeiro a abrigar um deserto
em cada um dos dedos dos pés,
de modo que não preciso ser nômade;
de modo que não preciso ser rei.
sou o primeiro a vingar minha origem,
a tomar café sem açúcar
e a deixar intacto o doce de leite na mesa
do café.
sou o que comia mangas verdes,
o que dorme com o travesseiro
sobre a cabeça. sou o quarto de uma geração
de ciganos, de andarilhos num país
sem estradas. sou o quarto de uma geração
de desterrados, desacompanhados
pela sorte, viajantes, sobreviventes num país
sem potes de manteiga e sem epígrafes
de poetas norte-americanos.

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