Meditamos sobre a morte e permanecemos atentos
ao uivo da noite. Todos os dias acordamos e,
como se olhássemos o mundo, abrimos a janela
do quarto, a cortina da sala. Do outro lado os
prédios, as ruas, os cabos telefônicos. Do outro
lado as praças, as praias, os carros. Todos os
dias nos lembramos daqueles que já não puderam
permanecer grafados, daquelas que, por descuido
ou desatenção, assistem impávidas o nascer do
sol. Meditamos sobre a morte e atendemos os
celulares e checamos os emails e caímos vez ou
outra. Do que importaria? Todas as noites adorme-
cemos e sonhamos, adormecemos e apenas isto,
até que, por desleixo ou desventura, surja no
horizonte algum outro porto que não seja aquele
(do outro lado as calçadas, os cemitérios, os
hospitais). Meditamos sobre a morte e saímos
pela porta da frente, cumprimentamos os porteiros
olá bom dia, e seguimos pelas grades afora. Todos
os dias balançamos e gritamos, do outro lado
as senhoras, os sinais, as vontades. Meditamos
sobre a morte e mais nada nos cabe: a glória, o
abraço, o amor. Em nossos braços a marca de
outro tempo, em nossos braços dormentes as
marcas daquilo que vagamente sussurra. Uns
breves acenos prum dia breve, uns outros
compromissos na hora do almoço. E do outro lado
deslumbramos: o concreto, o sereno, o vazio.
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Hoje à tarde fez sol mas é noite e chove
abril, 2015
Arthur Imbassahy
Christophe Barnabé, USINA
Rafael de Arruda Sobral