HENRY MILLER ASLEEP & AWAKE – Henry Miller Adormecido e Acordado
Documentário 1975, 35 min. Tom Schiller.
Henry Miller – Black Spring, 1936
Tradução de Aydano Arruda, Primavera Negra, 1968
Fragmentos de Uma Tarde de Sábado (Isto é melhor do que ler Virgílio)
Oh, os maravilhosos folguedos no lavatório! A eles eu devo meu conhecimento de Boccacio, de Rabelais, de Petrônio, do “Asno de Ouro”. Toda minha boa leitura, pode-se dizer, foi feita no lavatório. Na pior das hipóteses, “Ulisses” ou uma história de detetive. Há em “Ulisses” passagens que só podem ser lidas no lavatório – se a gente quiser extrair todo o sabor de seu conteúdo. E não digo isto para desmerecer o talento do autor. Digo isto simplesmente para aproximá-lo um pouco mais da boa companhia de Abelardo, Petrarca, Rabelais, Bocaccio – todos os belos espíritos sadios e genuínos que reconheciam bosta como bosta e anjos como anjos. Bela companhia e nada de rari nantes in gurgite vasto. E quanto mais desconjuntado e estragado o lavatório, tanto melhor. (O mesmo se aplica aos mictórios). Para saborear Rabelais, por exemplo – em trechos semelhantes a “Como Reconstruir os Muros de Paris” – eu recomendo uma privada simples do campo, uma casinha no milharal, com um feixe de luz em forma de crescente entrando através da porta. Nada de botão para apertar, nada de corrente para puxar, nada de papel higiênico cor-de-rosa. Apenas um assento toscamente talhado e suficientemente grande para comportar o traseiro e dois outros buracos de dimensões adequadas a outros traseiros. Se você puder levar junto um amigo e fazer com que ele se sente a seu lado, excelente! Um bom livro é sempre mais apreciável em boa companhia. Você pode passar uma bela meia hora sentado na casinha com um amigo – uma meia hora que ficará para sempre em sua vida, junto com o livro que ela conteve e com o cheiro dela.
Nenhum mal, afirmo eu, você poderá causar a um grande livro levando-o consigo à privada. Só os livros pequenos sofrem com isso. Só os livros pequenos são usados para limpar o cu. Como “Little Caesar”, agora traduzido do francês e incluído na série “Passions”. Virando suas páginas parece-me que estou de volta à América lendo as manchetes, ouvindo os malditos rádios, andando em carros de lata, bebendo gim barato, enrabando putas virgens com uma espiga de milho, enforcando negros e queimando-os vivos. Coisa de dar diarréia na gente. E o mesmo se aplica a “Atlantic Monthly” ou qualquer outro mensário, a Aldous Huxley, Gertrude Stein, Sinclair Lewis, Hemingway, Dos Passos, Dreiser etc. etc… Não ouço sinos tocando dentro de mim quando levo esses bichos à privada. Puxo a corrente e eles descem para o esgoto. Para o Sena e para o Oceano Atlântico. Talvez daqui a um ano apareçam de novo – nas praias de Coney Island, de Midland Beach ou de Miami, junto com medusas mortas, caracóis, mariscos, camisas de vênus usadas, papel higiênico cor-de-rosa, notícias de ontem, suícidios de amanhã…