Verão de 1978, Napa Valley, California. Fotografia: Wim Wenders
Wim Wenders
Entrevista por Leo Benedictus para a série “My Best Shot”. The Guardian, Março 2009
Confesso ser viciado em trabalho. E como filmes sempre tomam um ou dois anos da sua vida, fico feliz em passar o tempo que resta tirando fotografias.
Esta foto foi tirada no verão de 1978, quando eu vivia em São Francisco e trabalhava num filme chamado Hammet, para a Zoetrope Pictures, produtora de Francis Ford Coppola. Num final de semana, em cima da hora, me avisaram que eu poderia acompanhar o diretor Akira Kurosawa em uma viagem à casa de Francis, no Napa Valley. Kurosawa estava na cidade para conversar sobre um filme que Francis e George Lucas iam produzir, que mais tarde veio a ser Kagemusha, sua última obra-prima.
Francis mandou sua antiga e impressionante limousine Mercedes 600 (que antes pertencia ao Papa, se eu me lembro bem) para levar Kurosawa, junto de seu intérprete e Tom Luddy, do Pacific Film Archive, para a região vinícola. O carro ia me pegar no caminho. Eu estava parado na rua, olhando sua chegada, quando de repente me dei conta que deveria levar uma câmera. Corri de volta ao meu apartamento e escolhi minha velha Russian Horizon, uma gizmo panôramica de 35mm, que eu gostava por ser leve e simples de usar.
A viagem se tornou uma bela aventura. A velha limousine morreu no meio do nada, com o motor fervendo, e o motorista sem ter a menor ideia de como consertá-la. Nós então fomos a uma feira, onde podíamos, pelo menos, ter um pouco de sombra e água fresca. Lembro que tirei algumas fotos de Kurosawa, incluindo uma em que estava no meio da banda de música Cajun, os Louisiana Playboys.
Finalmente, nosso salvador apareceu na figura do documentarista Les Blank, que passou por nós em sua Kombi caindo aos pedaços e se dispôs a nos levar até o Napa Valley. A Kombi era um veículo hippie sem nenhum banco, para se encostar só havia os colchões espalhados na parte traseira – imagine você a cara de espanto do Coppola quando esta Kombi surrada parou em frente à sua mansão e dela desceu Akira Kurosawa.
Neste dia fazia um calor escaldante, então Francis levou seus convidados para um pequeno lago no bosque atrás de sua propriedade. Foi quando tirei essa foto: uma tranquila tarde de domingo no paraíso. É possível ver Francis na água. Em cima da pedra, Tom Luddy junto com a esposa de Francis, Eleanor, e a filha do casal Coppola, Sofia (ainda uma menininha), além do tradutor do diretor japonês. Enquanto o próprio Kurosawa se encontra sentado à sombra. Ele, é claro, não pôde ser convencido a pular na água. O fato de passar o dia todo com camisa e as mangas dobradas já era uma grande coisa.
A única boa visão do grupo era da água então nadei com minha Horizon – dá pra ver meu pé em primeiro-plano – e tirei essa foto sem sequer saber se a luz estava adequada. Por um longo tempo, ninguém falou nada. Foi como se todos nós estivéssemos conscientes desse instante de benção: o brilho do sol através das árvores, o som dos insetos, a paz absoluta de um momento que uniu quatro gerações de cineastas. A vida é boa – e algumas vezes uma fotografia está à sua altura.
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Outra versão, por Audie Bock – Estudiosa do cinema japonês e amiga de Kurosawa. Foi assistente de produção em Kagemusha.
Audie Bock
Part One | Take One, vol. 7, no. 4 | Março 1979
Três diferentes grupos nos encontraram no aeroporto de São Francisco, todos querendo que fôssemos a diferentes lugares. Sem muita hesitação nós optamos pela limousine de Coppola, ocupada por Wim Wenders (que estava escrevendo e dirigindo Hammett para a produtora de Coppola) e Tom Luddy, diretor da Pacific Film Archive, na Universidade da California em Berkeley. A Mercedes, grande e azul com a placa “FFC” escondida no porta-malas, foi o espólio de uma audaciosa aposta com a Paramount. Coppola assegurou que “O Poderoso Chefão” iria passar facilmente a casa dos $50 milhões. “Claro, Francis”, eles disseram. “Vai sim”, ele retrucou, “e quando for, vocês me devem uma limousine”. “Claro, Francis,” eles disseram. Assim que o filme atingiu os $50 milhões, Coppola pegou o telefone, pediu a limousine e mandou a conta para a Paramount. Eles pagaram.
Tudo ia bem no caminho para a propriedade de Coppola até que paramos para dar uma olhada no Festival de Blackpoint, um evento de blues ao ar livre. Wenders, como seu protagonista em Alice nas Cidades, brincava com suas câmeras, uma Polaroid e outra panorâmica, tirando fotos de todo mundo em vez de conversar. O festival de música foi excelente, o frango grelhado estava bom e todas as pessoas eram muito amigáveis, mas a limousine não pegava de jeito nenhum quando tentamos partir. Ficamos debaixo do sol à pino por mais de uma hora enquanto diversas medidas de emergência falharam e passantes gritavam “Compre um fusca!”. O herói do dia foi o cineasta Les Blank, que nos deu carona em sua Kombi.
Les viajou nesta Kombi pelo sul dos EUA, enquanto fazia seus documentários sobre manifestações artísticas (notavelmente “Always for Pleasure”, sobre o Mardi Gras de Nova Orleans). Tom Luddy foi quem dirigiu a Kombi, com Kurosawa e o produtor Yoichi Matsue sentados na frente, em meio aos adesivos e todas as bugingangas que balançavam. Eu, Wenders, e a amiga do Luddy, Monique, nos deitamos no espaço, de cerca de um metro, entre o teto e a caçamba. Monique tentou dormir, Wenders leu um livro e eu procurei continuar respirando. Lá da frente, Kurosawa nos assegurou que “isso não é nada comparado a procurar locações de filmagem na Siberia.”