Lugar sem comportamento é o coração. Nascido Manoel Wenceslau Leite de Barros em 1916, na cidade de Cuiabá – ou para nós simplesmente Manoel de Barros – a obra deste poeta carrega uma ambiguidade. Se, por um lado, seus poemas portam uma espécie de simplicidade, uma ausência de pretensão típica
um silêncio inédito
como se o gesto mesmo ditasse o som
como se eu descansasse um pouco a boca
(a sua mão eu coloco sobre a minha pele e passeio
sem palavra)
mas o poema se lança à língua primeiro
enrosca meus olhos viciados
tremem os lábios,
eu sorrio – não falo
Priscila Alba acaba de me lembrar desse poema, escrito em homenagem aos mortos do triste massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido há 25 anos atrás. Na ocasião, policiais militares cercaram milhares de sem-teto que realizavam um protesto em uma rodovia do Pará. Com 19 mortos, o momento é lembrado como
qualquer samba triste, a chuva no domingo
tuas mãos para as conchas
teus olhos que eu toco
– as ventanas abertas
– o chão tão gélido me alegra.
os pássaros cantam e se agitam
feito crianças pela manhã
Maritaca Bem-te-vi sabiá
cantam suas melodias esperando respostas
quando não as tem repetem uma duas três
muitas vezes até se distraírem
Estou sempre diante
da certeza de que vou ter sede.
Mas no fundo não é tão difícil
imitar um cacto e repousar
espinhosamente na paisagem da varanda
ou da sala.
you know what i’ve learned from you?
sabe o que eu aprendi com você? not to say more than you have to. não dizer mais do que seja realmente necessário pra si. i’ve learned about art. eu aprendi sobre arte. as a state of stuff. como um estado das coisas. como uma presença moldável mas não óbvia. not so deep. as something to digest but also enjoy as a joke.
Moro em um país pobre e, contudo,
não sou eu o pobre deste país.
Habito a periferia do vasto mundo,
mas não estou na periferia da periferia.
Estou à deriva por alguma margem perdida,
mas não sou eu o marginal do rumo.