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Celestografia

novembro, 2023

A natureza, misteriosa, nos persegue.
Como é possível a natureza nascer como ela nasce?
Como é possível a natureza se formar como ela se forma?
E o homem se pergunta, como posso eu criar algo como a natureza, como se fosse natureza ou da natureza?
Sendo da natureza, como animal, e além da natureza, como um ser divino, isto dá ao homem a possibilidade de criar algo como a natureza.
Essa intenção, assim como a impossibilidade de alcançar o objetivo dessa intenção, está sempre presente no homem.
Tentamos alcançar a imitação mais perfeita da natureza através da nossa arte que, infelizmente, se tornou tecnologia.
Em algum momento, ao longo da história, por causa da crença de não sermos apenas animais, mas morais, não queríamos mais criar como a natureza. Queríamos criar como seres divinos algo que fosse como natureza, em analogia com a estória de Deus que criou o mundo.
E não tentar imitar a própria natureza se criando.
Ficamos limitados em termos dos meios, as nossas tecnologias (as quais seriam a nossa superioridade!?) para criar objetos como se fossem da natureza, para criar o mundo substituindo o mundo que já havia, a natureza.
Strindberg quis imitar a maneira como a natureza se criava, tirando os meios tecnológicos.
Ele confiava no desejo de forma inerente à natureza – ele chamava isto de vontade de representação presente na matéria. Era assim que a imagem se revelaria desde a tinta, quase de si mesmo.
Limites e diferenças são fluidos. O ar tem a mesma densidade como a pedra. A rocha se funde com a água. A matéria é a mesma, as manifestações outras.
Não se trata de providenciar uma imagem da natureza, mas de dar a impressão de ser natureza, de se inscrever como natureza.

High Sea (1894) A. Strindberg

Strindberg quis tirar fotografias do céu sem usar a própria máquina fotográfica e as suas lentes.
As lentes dariam uma representação distorcida da realidade.
Começou a construir máquinas sem lentes usando caixas de onde tirava os charutos que fumava.
Mas acabou alcançando um método que não precisava de lentes nem de câmeras.
Colocou pratos fotográficos no peitoril da sua janela, deixando-os ser expostos ao céu estrelado.
Assim conseguiu fazer celestografias: fotografias do céu através da exposição da própria natureza: estrelas, orvalho, poeira imprimiam o céu nos pratos.
Dramaturgia de cenas noturnas, celestiais-terrestres.

 

Celestografia (1893) A. Strindberg

Cada átomo que faz o nosso mundo material – pedras, plantas, organismos – saiu de estrelas que explodiram.
Somos feitos de estrelas. Pelo menos de suas poeiras.
A terra escura e fria nasceu das luzes e energias estelares.
(Micro-cosmos, macro-cosmos)

Celestografia (1894) A. Strindberg

Dubuffet usou a técnica tyroleana para desenhar terra e chamar atenção às texturas indeterminadas, galáxias e nébulas.
Texturologias.
Inversão analógica.

The Exemplary Life of the Soil (1958) J. Dubuffet

A terra e o céu estão em constante comunicação.
Para Strindberg, tudo se cria em analogias: o inferior com o superior.
Para Strindberg, só há um sujeito: essas correspondências que somente a imagem consegue revelar.
Para Strindberg, é a revelação do desejo artístico de forma inerente à natureza.
Uma cifra inerente que nos deixa perceber, minimamente, a totalidade sem limites.

***

Celestografia.
Escrever o céu, como seria?
Escrever letra em um papel em branco é como deixar as estrelas no céu aparecerem.
Como o céu que de repente se abre e as estrelas começam a se mostrar.
As nuvens se vão,
As luzes artificiais das cidades se apagam,
E assim,
Uma escrita se mostra.
Não é astrologia, não há significados e interpretações.
Algo que sempre lá está se mostra evidente,
Enquanto o papel em branco, como o céu, o tempo, fechado oculta o que está prestes a aparecer, a acontecer.
O tempo abre, se abre, se mostra.
O tempo se escreve e se inscreve no espaço onde está.
Em questão não está a história nem a temporalidade subjetiva.
Mas o tempo eterno,
Os ritmos arritmados,
Um coração precisando de uma ablação,
Não por sobrevivência, mas pela sua própria precisão.
O tempo não tem a ver com uma duração que vai do passado pelo presente para o futuro.
Tempo é calor, é temperatura, distinguindo calor do frio,
Vida da morte.

A tinta interage com as formas surgindo.
Matéria e forma se possuem
(… como é capitalista o nascimento).
O risco, o arrisco, o rabisco, da criação artística.
Não há nada a não ser um caos de possibilidades da cor branca do papel que deixa cada traço aparecer.
Começa a aparecer algo que se parece com algo, mas quando se olha mais uma vez – na procura da certeza – não se parece com absolutamente nada.
De repente, um ponto se destaca, um ponto que cresce feito uma célula,
Como todos os pontos e linhas infinitesimais.
Um ponto, uma virgula, um acento, um traço, uma letra são como raios que deixam toda a paisagem aparecer…
Não é contexto, não é interpretação, não há hermenêutica.
Toda a imagem que lá está se mostra para quem a percebe,
Para quem percebe o nascer do entorno e da noite que se joga no mundo sob a orientação de Apolo.
Imagens da noite, o universo imagina células, átomos, matérias,
Que nascem na sua própria conjunção.

Pois bem,
Uma fotografia congela um momento no tempo,
Confirma a luz fluída.
A celestografia, por outro lado, imagina o seu viver contínuo, aperfeiçoando uma imagem da natureza, sendo apenas
Natureza.

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