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Chopin e Mendelssohn

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outubro, 2019

Tradução apresentada em encontro com a autora na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, em janeiro de 2018

Havia uma mulher que reclamava o tempo todo, toda noite a mesma música através da parede, ou seja, depois do jantar, os vizinhos velhinhos, marido e mulher, pontuais como um trem, chegam ao piano, e a mulher toca a mesma coisa, começava com algo triste e depois uma valsa. Todo dia, churúm-burúm, tatati-tatatá. Essa mulher, a vizinha dos velhinhos, rindo, contava isso no trabalho e para todos os seus conhecidos, mas ela mesma não achava graça. Pelo contrário, a cabeça dói, e ela só quer descansar, pois não é possível todos os dias abafar os ouvidos com a televisão – e na casa dos velhinhos sempre o mesmo realejo, churum-burum, tatati-tatatá.

            Eles, os velhinhos, só saíam juntos, trotavam nobres e solenes até uma lojinha, também pontuais, de manhãzinha, quando adultos, fortes e bêbados se encontram no trabalho ou dormem, e ninguém ofende ninguém.

            Em suma, com o tempo essa vizinha até passou a conhecer todo o repertório deles, perguntou de maneira bem grosseira, em seu jeito brincalhão, ao esbarrar com eles (que estavam indo justamente à lojinha, com as roupas claras e engomadas, como a um baile, ela com um panamá desgastado, ele com uma boina branca, ambos de olhinhos radiantes, mãozinhas enrugadas) – quê que é isso que vocês tocam, oi?, não captei – isto é, ela própria queria dizer “por que vocês estão o tempo todo tocando, atrapalhando”, ao que eles entenderam exatamente o oposto, agitaram-se, puseram-se a sorrir com todos seus dentinhos uniformes de plástico, e disse, ela disse, a velhinha: “A canção sem palavras do ciclo de Mendelssohn e uma valsa de alguma fantasia de Chopin” (aff, pensou a vizinha).

            Mas tudo chega ao seu fim, e a música repentinamente acabou. A vizinha deu um suspiro de alívio, pôs-se a cantar e a brincar, ela que era uma solteira abandonada, isto é, uma esposa abandonada, melhor, nem esposa era, mas então, ela recebeu do Estado um apartamento de um cômodo, e alguém se instalou lá com ela, viveu, pregou uma estante na cozinha, até comprou alguns apetrechos para o banheiro feito um autêntico proprietário, chegou com uma tampa de vaso na embalagem, instalou com parafusos, dizendo que tipo de vaso é esse, impossível de sentar. Mas depois voltou para a casa dele, para a casa de sua mãe. E agora esta música, toda noite, através da parede de repente muito fina, a valsa de Chopin com errinhos sempre no mesmo lugar, com tropeços, como um gramofone velho, é de matar. A televisão ficava na outra parede e aqui ficava o sofá, e era logo o gramofone que se impunha toda noite no ouvido. Ou seja, a audição dessa vizinha aguçou-se como a de um morcego, como a de um cego, e através do barulho da televisão ela distinguia os malditos Mendelssohn e Chopin.

            Em suma, de repente tudo se acabou, por dois dias a música se calou e tranquilamente ela pôde assistir à televisão, cantar ou dançar, de fato, alguém meio que chorava remotamente, chiava como uma criança nos andares de cima, mas isso também se acabou. “Bem, agora posso ouvir”, – depois essa vizinha dos velhinhos contou no trabalho, quando tudo se esclareceu, ou seja, que aquele chiado era o chiado do marido da velhinha-pianista, que ela fora encontrada não em qualquer lugar, mas debaixo do marido no chão, ele, como se revelou, já deitava havia muito tempo paralisado na cama (“mas eu pensava que não, que eu meio que tinha encontrado eles, mas será que isso de fato foi há muito tempo?” – a jovem vizinha prosseguiu a história consigo mesma), ele deitava paralisado, mas a esposa, cada noite, pelo visto, tocava para ele seu repertório debaixo do ouvido da vizinha, para, pelo visto, entretê-lo, mas depois de alguma maneira ela caiu, morreu ao lado da cama dele e ele começou a se arrastar, evidentemente, até o telefone, e no fim das contas desabou em cima de sua esposa, e dessa posição afinal conseguiu ligar de alguma maneira, o apartamento foi arrombado, ambos já estavam sem vida,  um desfecho rápido.

            “Bem, agora posso ouvir”, – a jovem vizinha deles reclamou com todos consecutivamente pelo telefone, lembrando daquele chiado remoto e do choro e calculando o tempo que foi preciso (uma noite e toda uma madrugada e todo o dia seguinte), para que o velho alcançasse o telefone, era ele que chiava, o velhinho, pelo visto.

            “Bem, agora posso ouvir, – com inquietação pensava a vizinha nos futuros vizinhos e recordou-se consigo com amor e lamento do Chopin e do Mendelssohn, – aquelas sim eram pessoas eruditas, silenciosas, faziam barulho durante quinze minutos por dia e só, quem virá substituí-los? E morreram na margem de um dia, como que num conto de fadas, viveram muito e morreram na margem de um dia”. – ela pensava mais ou menos assim, ensurdecida pelo silêncio, Chopin, Chopin, Mendelssohn.

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