Antimatéria e a ficção científica
A ideia de antimatéria fascinou e continua fascinando os aficcionados por ficção científica desde o surgimento desse conceito, que ocorreu em meados da década de 1930, logo depois da descoberta experimental do pósitron, a antipartícula do elétron.
Em geral, como na maioria das histórias de ficção científica, a antimatéria foi associada aos vilões, como os anticristos na mitologia cristã. Em um dos filmes mais trash que já vi, The Giant Claw, um pássaro enorme e ridiculamente mal feito, vindo das “galáxias de antimatéria”, ataca a humanidade destruindo aviões, prédios, carros, pessoas e tudo o que encontra pela frente. Só não destrói o nosso mundo por completo graças ao herói MacAfee, que, junto com um cientista, cria uma arma que, para a nossa salvação, é capaz de destruir a ave.
Nos quadrinhos, o Sindicato do Crime vive no “Universo da Antimatéria”, e é criado em analogia à Liga da Justiça, que habita o nosso mundo, ou seja, o “Universo da Matéria”. A história deste mundo é semelhante à nossa, mas com os papéis principais invertidos. Lá a América descobriu a Europa, e cada um dos heróis daqui tem um vilão correspondente no mundo da antimatéria.
A antimatéria também desempenha um papel menos destrutivo na ficção científica, que é o de gerar energia, como no caso da nave Enterprise em Jornada nas Estrelas. Através da colisão de jato de matéria com um de antimatéria, um plasma é formado e se torna capaz de gerar a energia da nave.
A lista de livros, filmes e história em quadrinhos sobre este assunto é infindável, assim como a imaginação dos seus criadores.
Mas o que é a antimatéria?
A resposta é muito mais simples e direta que o senso comum imagina: nada mais é que a matéria espelhada. A verdade é que se trata de um espelho particular, com propriedades iguais a um espelho usual no quesito movimento rotacional, mas com algumas peculiaridades a mais, principalmente no que se refere a carga elétrica.
Se uma bailarina faz uma pirueta no sentido horário, quem a observar pelo espelho a verá rodando no sentido anti-horário. Isso também ocorre quando olhamos para um elétron e um pósitron: o primeiro gira no sentido anti-horário, enquanto a antipartícula, no sentido horário.
Além dessa propriedade bastante comum, esse espelho meio particular também muda a carga elétrica desse elétron. Esse processo, que tem o nome científico de “conjugação de carga e paridade” (CP), é o que diferencia uma partícula de uma antipartícula. O restante, como a massa e todas as forças e a suas intensidades que são as responsáveis pelo movimento, é rigorosamente idêntico, nos mais mínimos detalhes. Então por que tanto espanto?
A descoberta da antipartícula é seguramente um dos mais belos episódios da história da ciência, daqueles onde se juntam brilhantismo, ousadia e coragem, em uma mistura única e singular, comparável à descoberta da relatividade poucos anos antes. Na verdade, foi um fruto direto da teoria de Einstein e da recém-estabelecida teoria quântica.
O jovem Paul Dirac, ao tentar descrever o que seria o movimento de um elétron em velocidades próximas à da luz pelo ponto de vista da mecânica quântica, ou seja, um elétron relativístico, chegou a uma equação. Esta, além das propriedades esperadas para o elétron que queria descrever, apresentava uma outra solução, que estranhamente descreveria o movimento deste mesmo elétron, mas com energia negativa.
É verdade que tanto a relatividade como a mecânica quântica introduziram muitos conceitos estranhos e até meio exóticos para os padrões da época (de certa maneira, ainda para os padrões atuais), mas uma partícula com energia “negativa” era uma ideia inaceitável demais para se insistir.
Paul Dirac passou cerca de três anos matutando a questão: como pode uma equação tão simples e eficiente para descrever, através de parte das suas soluções, o movimento de um elétron relativístico, ter também soluções que não faziam aparentemente nenhum sentido físico? Ao final desse período de reflexão, no ano de 1931, teve a ousadia de postular uma nova partícula de massa igual e carga oposta ao do elétron, que seria a responsável pelas soluções que aparentavam ter energia negativa.
As soluções que sobraram repre-sentavam o movimento relativístico do pósitron, ou antielétron, que, por terem carga elétrica oposta à do elétron mudavam o sinal das equações. Seis meses depois, o físico experimental Carl Anderson, enquanto estudava eventos produzidos em raios cósmicos, observou esse novo elétron de carga positiva, que chamou de pósitron.
Mas por que somente o elétron teria a sua antipartícula? A equação que Dirac formulou servia para todas as partículas que tivessem o momento rotacional intrínseco, conhecido como spin, igual ao do elétron. Portanto, todas as partículas com o mesmo spin do elétron teriam que ter uma antipartícula correspondente; o próton, que tem carga positiva, tem como a sua antipartícula o antipróton, com carga negativa. Este foi descoberto uns anos mais tarde, depois da Segunda Guerra. Hoje, além do próton e do elétron, muito mais partículas descobertas ao longo dos anos têm sem exceção a sua antipartícula correspondente.
E o que acontece quando um elétron se encontra com um pósitron, ou um próton com um antipróton? Aqui ocorre um fenômeno espetacular, totalmente fora do senso comum: as duas partículas se aniquilam mutuamente, ou seja, deixam de existir no espaço, e produzem um fóton. Este, além de conter a energia resultante do movimento das duas partículas que desapareceram, carrega também a energia relativa às massas das partículas que desapareceram.
Equivalência massa energia
Todos já ouvimos falar na equivalência entre massa e energia, proposta por Einstein através da teoria da relatividade e de sua equação mais famosa: E = mc². Entretanto, poucos sabem o imenso poder que essa singela equação representa. O conceito energia, também muito conhecido das pessoas, guarda uma profunda abstração que em geral cria enormes confusões.
Energia é um conceito que serve para criar equivalência entre processos físicos diferentes; um exemplo bem usual disso é a energia cinética e a potencial, que relacionam a energia do movimento de um corpo com a altura do mesmo. Temos também a energia gerada por combustão, que pode gerar energia cinética ou potencial, ou mesmo energia de uma hidroelétrica, que transforma energia potencial em energia elétrica. Energia é um conceito abstrato e puramente relacional: não existe energia sem um portador.
A equação de Einstein nos diz quanta energia teríamos disponível em um objeto massivo caso consigamos transformá-lo em calor, movimento ou mesmo em outros objetos. Ocorre que o termo de massa dessa energia está multiplicado por um número enorme, que é velocidade da luz (300.000 Km/h)². Este fator quadrático nos diz que uma pequena massa é capaz de gerar valores estonteantes de movimento ou calor.
Por exemplo, um trem com 100 vagões bem carregados, pesando 10 mil toneladas, andando a 100 Km/h, equivale à energia contida em um milionésimo de grama. Uma forma mais impactante de imaginar a quantidade de energia contida na massa de um corpo é pensar que toda aquela destruição que ocorreu em Hiroshima, foi gerada por menos de um grama de massa. A energia nuclear, com todos os seus problemas, é, até o momento, a única forma rentável de acessar este Santo Graal.
Na ficção científica, retirar energia da massa fica bem mais simples. A Enterprise se move sem problemas pelo universo, transformando massa em energia através da aniquilação da matéria com a antimatéria. Já em Anjos e Demônios, o vilão rouba um pouco de antimatéria do laboratório internacional CERN e ameaça o Vaticano de colocá-lo em contato com o ar, criando uma enorme explosão pela liberação da energia proveniente desse mesmo tipo de aniquilação. No mundo real, não há nem projetos neste sentido de tão inviáveis que seriam economicamente.
Criação de matéria e antimatéria
Na física fundamental de poucos corpos, temos um lei respeitadíssima, a qual diz que todo o processo que ocorre em uma direção do tempo tem que ocorrer na direção contrária e com a mesma probabilidade. Essa lei não quer dizer que podemos voltar no tempo, mas simplesmente que, se passarmos um filme sobre um processo físico qualquer de trás para frente ou vice e versa, é garantido que ambos os processos serão permitidos e com a mesma probabilidade. Portanto, se uma partícula se aniquila com uma antipartícula criando um fóton, como dissemos anteriormente, um fóton também pode criar uma partícula e uma antipartícula de mesma natureza.
Este processo de criação de partículas e antipartículas através de um fóton pode parecer estranho, mas é feito em laboratórios há muito tempo. Não só com o fóton, mas também, e principalmente, com o glúon, que é o equivalente do fóton para interações envolvendo os quarks. Enquanto o fóton é o mensageiro das interações eletromagnéticas entre partículas com carga elétrica, o glúon é o mensageiro da carga dos quarks, conhecido como “carga de cor”.
Em uma colisão de um próton com outro próton vindo em sentido oposto, como ocorre atualmente no laboratório CERN, os glúons são responsáveis pela criação de centenas de pares de partículas e antipartículas, coletadas pelos grandes detectores e colocadas em vários pontos do grande colisor de partículas, conhecido como LHC.
Pode parecer estranho para um leigo, mas esse processo de criação de matéria e de sua antimatéria é a única forma que a física, como a conhecemos nos dias de hoje, consegue conceber o processo de criação da matéria existente no nosso Universo. Vindo de uma grande explosão ou como resultado de uma implosão de um universo anterior (hipótese que me é mais simpática), o processo de criação da matéria existente no nosso Universo deve ter vindo de processos com criação de quantidades idênticas de matéria e antimatéria.
As antigaláxias existem?
Se tivesse sido criada a mesma quantidade de matéria e antimatéria no início do Universo, e nada mais interferisse neste processo, poderiam existir estrelas e antiestrelas, planetas e antiplanetas, anãs brancas e antianãs brancas, visto que todas as propriedades da matéria também são idênticas às da antimatéria.
Se foi possível formar átomos, estrelas, animais, DNA, minerais e tudo que conhecemos de matéria, também teríamos que ter o mesmo de estrelas, animais, DNA, minerais e etc. de antimatéria. Neste caso, o filme The Giant Claw estaria bem fundamentado na ciência, ao menos quanto à possibilidade de existência de galáxias de antimatéria.
Ocorre que, se existissem galáxias deste tipo, de alguma forma o nosso Universo seria muito mais explosivo do que aquilo que tem sido observado. Um fenômeno bastante usual é a colisão entre duas galáxias. Caso uma delas fosse de antimatéria, observaríamos uma verdadeira hecatombe. A energia contida nas massas de duas galáxias geraria uma explosão de tamanho esplendor que seria observada em qualquer parte do Universo, inclusive aqui na Terra. Como são bilhões e bilhões de galáxias no Universo, teríamos que observar dezenas e mais dezenas de explosões apocalípticas no céu todos as noites. Fogos de artifício universais diários.
Essas e outras razões nos levam a crer que não existem galáxias de antimatéria, que o Universo observável é feito somente de matéria e fótons. Por isso a questão fundamental que a ciência se pergunta e que ainda não temos uma resposta convincente é: onde foi parar a antimatéria do Universo, já que no início deveríamos ter tido igual quantidade de partículas e antipartículas?
Embora não tenhamos uma resposta para essa importante questão, temos algumas dicas de como procurá-la. Antes de conhecer estas dicas, porém, é importante termos uma dimensão do problema.
Criação e destruição, a gênese do Universo
Independente de ter existido ou não o Big Bang, houve um momento em que o Universo teve dimensões diminutas e energias imensas, ou seja, altíssimas temperaturas. Nesse período, a criação e destruição da matéria e da antimatéria dominavam o Universo. Ao se expandir, o Universo foi esfriando, e o processo de criação e destruição foi se arrefecendo, fazendo com que os fótons produzidos na aniquilação de uma partícula com a sua antipartícula não tivessem mais a possibilidade de criar um novo par, como no início, com altas temperaturas. Dessa forma, os fótons existentes no Universo atual seriam a memória desse processo inicial dominado por partículas e antipartículas.
Esses fótons estão espalhados por todo o Universo de forma bastante homogênea e com uma mesma energia, que equivale a uma temperatura de 2,7 graus Kelvin (ou -270 graus Celsius), ou seja, perto do zero absoluto. Por serem uma relíquia do início deste Universo, são estudados nos seus mais mínimos detalhes, através de satélites enviados exclusivamente para este fim, em conexão direta com experiências feitas na Terra. Pequenas flutuações da temperatura e da densidade têm importantes consequências sobre a nossa compreensão de como se formou o Universo. Assim, um importante resultado obtido com esses estudos, de fundamental importância para a nossa narrativa, foi a de que o número de fótons existentes no Universo é cerca de 10 bilhões de vezes maior que o número de prótons, nêutrons e elétrons.
Isso nos leva a pensar que, para cada próton, elétron ou nêutron que convive conosco nos dias de hoje, dez bilhões de pares de partículas e antipartículas se aniquilaram para produzir os fótons que pairam no Universo, conhecidos com o nome de “Radiação de Fundo”.
Também nos leva a crer que esta quebra de simetria entre a matéria e antimatéria foi extremamente pequena e difícil de compreender e de tentar reproduzir em aceleradores de partículas, devido a sua extremamente baixa probabilidade de existir. Pequena, sim, mas sem dúvida fundamental, já que proporcionou a presença de matéria até os dias de hoje e, em última análise, é responsável pela nossa existência.
Condições de Sakharov
As dicas ou, em linguagem mais formal, as condições que temos para entender essa quebra de simetria, foram formuladas inicialmente pelo conhecido físico russo Sakharov, que ganhou o prêmio Nobel, não da física, mas da paz, por conta de sua ação pelos direitos humanos na antiga URSS.
A primeira dessas condições exige que o próton, ou os quarks que o formam, se desintegre em fótons ou elétrons ou partículas desta mesma natureza. A segunda, que a simetria de CP seja violada. A essas condições, se agrega que o processo tenha que ser irreversível, para que não volte às condições iniciais.
A primeira dessas condições foi exaustivamente testada sem sucesso. Uma enorme quantidade de detectores de fótons foi colocada dentro grandes minas desativadas, para tentar detectar a existência de alguma desintegração de um próton. Essas experiências funcionaram por anos a fio sem sucesso. Não foi observada nenhuma desintegração, o que nos leva a concluir que, pelos menos nas condições atuais do Universo, ou seja, em baixíssimas temperaturas e baixa concentração de matéria, o próton tem uma probabilidade de se desintegrar bem abaixo da necessária para atender a primeira condição de Sakharov.
Violação da simetria de CP e a irreversibilidade
Por outro lado, em 1964, dois físicos americanos, Fitch e Cronin, observaram que na desintegração de uns mésons chamados de “kaons” uma parte em 500 não obedecia à simetria de CP, aquela do espelho meio particular descrita anteriormente. Se, por um lado, essa descoberta trazia uma luz sobre o início do Universo, trazia também um enorme problema: a tal da lei respeitadíssima da reversibilidade, a que me referi no início deste texto, que ocorria em todos processos físicos, estava sendo violada pela primeira vez na história da física.
Esse importante resultado, confirmado por outros experimentos, demorou cerca de dez anos para ser adequadamente incorporado à teoria das partículas elementares. A solução foi dada por dois jovens japoneses, Kobayshi e Maskawa, que em um lance de grande ousadia, postularam a existência de mais dois quarks, além dos quatro previstos na época. Tecnicamente, a teoria com quatro quarks não permitiria a existência de processos irreversíveis, mas, ao acrescentar mais dois, a teoria voltava a ficar consistente e acabava por permitir uma pequena irreversibilidade.
Esses dois quarks não foram observados diretamente, pois isso não é permitido pela natureza, mas através de processos físicos que evidenciaram as suas existências. Esses resultados não deixaram nenhuma dúvida quanto à presença dessas novas partículas fundamentais na natureza.
Em particular o quark Beauty, também conhecido como quark b, trazia consigo uma novidade: algumas de suas desintegrações apareciam com violação de CP na ordem de 10 a 30%, sem dúvida uma enorme assimetria. Mas, agora, bem compreendida e dentro da teoria de partículas.
Esta peculiaridade do quark Beauty acabou gerando uma corrida atrás das propriedades desta partícula. Na década de 1990 foram construídos dois aceleradores dedicado a estudá-los, um no Japão e outro na California. Mais recentemente, um dos quatro detectores do acelerador LHC, se dedica quase que integralmente a seguir estes estudos. O nome dele já diz tudo: LHCb, onde b é de Beauty. Dentre os mais de 700 físicos que trabalham neste detector, se encontra um grupo brasileiro formado pelo CBPF, PUC-Rio, UFRJ e UFTM.
Embora grandes, essas assimetrias de CP ocorrem em desintegrações pouco prováveis de acontecer. Com as partículas Beauty, praticamente um a cada dez mil decaimentos permitem a existência de tais processos irreversíveis.
Multiplicando a possibilidade deste processo ocorrer pela possibilidade de produzir os quarks Beauty, chegamos a uma probabilidade muito pequena de que essa assimetria tenha sido inteiramente responsável pela assimetria matéria-antimatéria do Universo. Ou seja, encontramos o efeito físico, objeto da segunda condição de Sakharov, mas em quantidades muito inferiores às necessárias para explicar o nosso Universo atual.
A questão essencial que temos de nos perguntar é: por que a teoria atual das partículas, que funciona de forma excepcionalmente boa para o nosso Universo observado (e em condições semelhantes ao início dele, obtidas em colisões entre partículas a grandes energias, como no acelerador LHC do CERN), não é capaz de entender essa pequeníssima assimetria entre a matéria e antimatéria existente no Universo?
E a gravitação, o que tem a ver com isso?
Como disse antes, ainda não temos a solução para esta questão, somente umas poucas dicas de como tudo ocorreu. Apesar disso, iniciamos recentemente uma discussão no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas com o conhecido professor Mario Novello e com o pós-doutorando Vicente Antunes, que inclui um aspecto pouco explorado nas discussões científicas em torno dessa questão: qual seria a influência da gravitação nesse processo de criação do Universo?
A gravitação é a mais fraca das quatro forças conhecidas na natureza. Dizer que é a mais fraca é pouco. Na verdade, ela é muitíssimo mais fraca. Para se ter uma ideia, a força que o monte Everest faz sobre uma pessoa em seu entorno é menor que a força que um próton faz sobre um elétron no átomo de hidrogênio. Por isso, pouca importância tem se dado à gravitação nos estudos sobre a assimetria matéria-antimatéria.
No entanto, se pensarmos que o nosso Universo, em seu estágio inicial, tinha dimensões infinitamente menores que a atual, contendo a mesma energia existente nos dias de hoje, com as bilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas, além de, é claro, a Radiação de Fundo (os fótons gerados pelo Universo primordial), chegamos à conclusão de que a aproximação usualmente feita, que diz que a gravitação pouco interfere na criação do Universo, parece por demais limitada.
E se a gravitação tiver tido importância nas interações entre as partículas no início do Universo, o que teria ocorrido com os princípios fundamentais da mecânica quântica e da relatividade? Quais elementos teríamos que incluir nas equações que regeriam as partículas, em um ambiente com gravitação muito intensa? Quais as consequências no comportamento destas partículas com a modificação das suas equações? Em suma, quais leis da física que construímos para representar o nosso Universo atual, continuariam sendo validas e quais seriam violadas neste pequeno mas extremamente energético Universo?
Como não há uma explicação com a física conhecida, devemos modificar algo de suas leis atuais, para assim sermos capazes de explicar este enorme problema que é o desaparecimento do “espelho do Universo”. Em princípio, existem vários mecanismos capazes de dar uma explicação satisfatória. Além disso, não há nenhuma cobrança de resultados do ponto de vista experimental: o Universo em que vivemos é um evento único, impossível de ser repetido, portanto impossível de sabermos se a teoria é correta ou não. Poderíamos dizer que neste caso valeria a máxima de Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”. Entretanto, podemos dizer sem medo de errar, que ao mexer em teorias que apresentam um quadro relativamente completo para descrever o nosso Universo, mexer em um pequeno aspecto acaba por criar diversas consequências, muitas delas “indesejáveis”.
Indesejável, tanto como a palavra energia, contém um conceito puramente relacional: indesejável para o que ou para quem? Como este trabalho envolve conceitos fundamentais tanto de gravitação como de partículas, ambas com comunidades científicas muito ciosas das suas próprias teorias, adequar uma nova ideia, respeitando o “desejável” das duas comunidades, é uma tarefa longe de ser óbvia. Ou seja, Neste caso a frase do Millôr não funciona de uma forma tão livre assim. Há muitos vínculos e limites estabelecidos, difíceis de serem contornados. Está é a tarefa que estamos enfrentando no momento, no desenvolvimento desta ideia na busca de explicar a ausência da antimatéria no Universo atual através da interação das partículas com a gravitação. Um processo com idas e vindas, avanços e recuos, alegrias e frustrações, resumindo: a dor e delícia típica da atividade científica.
Agradecimentos a Cássio Leite Vieira