agora acordo no mês das folhas
com essa espécie de tristeza
nas mãos e penso em você
que vai chorar sete vezes
numa noite e rir setenta
porque o riso é urgente
tão grave quanto o amanhã
(que te espera, ávido)
que vai me dizer que as coisas
querem ser brancas, que as grandes
questões demandam dureza
mas que é de sonhar
que se fazem
os dias
agora acordo no mês das folhas
com essa espécie de tristeza
nas mãos e penso em você
metade garota punk
da safra de 84, metade
colosso contando o tempo com sal
deméter salgando o tempo
das frutas
porque agora é impossível colher
mas a colheita está feita
e já há quem fale em milagres
pois ela brilha como os teus cabelos
de mulher rica e como brilham
as bolhas de champanhe
através do vidro
e da fé
e essa é a hora em que te agradeço
por me fazer voltar
a pensar
em fé
quando vejo você
em sua varanda
com suas filhas
te penteando
te consolando
a beleza é estrondosa
e então entendo
que nunca estaremos prontos
(o tempo carece de método)
mas que lembraremos
mais velhos
de agradecer
por tanto
pois das incertezas
teremos feito mar
e de nossos braços
jangada
uma embarcação torta
e delicada
a que chamaremos
fortaleza
nossa alcateia de sobreviventes