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Virada Sincrônica e Vanguarda

2013

Publicado originalmente em A ReOperação do Texto, "Texto e História", p. 24-25. Haroldo de Campos. Editora Perspectiva, São Paulo.

Noigandres 4 - Branco - Haroldo de Campos

O descobrimento, ou, por assim dizer, a “invenção” de precursores é um dos corolários mais significativos da visada poética sincrônica. John Cage (Silence) cita a resposta do pintor De Kooning aos que lhe perguntavam que artistas do passado o haviam influenciado: “The past does not influence me; I influence it“. E Jorge Luis Borges: “No vocabulário crítico, a palavra precursor é indispensável, mas teríamos de purificá-la de toda conotação polêmica ou de rivalidade. A verdade é que cada escritor cria os seus precursores. A sua obra modifica a nossa concepção do passado como há de modificar a do futuro” (Kafka y sus Precursores).

Pode-se dizer que uma nova obra decisiva ou um novo movimento artístico propõem um novo modelo estrutural, à cuja luz todo o passado subitamente se reorganiza e ganha uma coerência diversa. Nessa sentido é que a literatura é o domínio do simultâneo, um simultâneo que se reconfigura a cada nova intervenção criadora. Cada época nos dá o seu “quadro sincrônico”, graças ao qual podemos ler todo o espaço literário – um espaço literário onde Homero é contemporâneo de Pound e Joyce, Dante de Eliot, Leopardi de Ungaretti, Hölderlin de Trakl e Rilke, Puchkin de Maiakóvski, Sá de Miranda de Fernando Pessoa.

Marx, preocupando-se com a prenidade da arte grega para além das condições históricas que a geraram, pôs o dedo numa das faces deste problema; Lukács, de sua parte, tentando ler o romance contemporâneo à luz do “quadro sincrônico” estabelecido pelo lance balzaquiano no tabuleiro do Oitocentos (para retomarmos desta maneira a imagem saussuriana do jogo de xadrez), simplesmente nao consegue atinar com a “legibilidad” dos objetos a que enfrenta. Realmente, aquela contemporaneidade ideal só ganha o seu estatuto e se torna reconhecível a partir de uma óptica real, a do tempo presente. Nesse sentido, o certo não é ler Joyce pelo crivo de Balzac, mas reler Balzac pelo de Joyce (ou pelo de Mallarmé, como de resto o fez Butor em Balzac et la Réalité). Entre o “presente da criação” e o “presente da cultura” há uma correlação dialética: se o primeiro é alimentado pelo segundo, o segundo é redimensionado pelo primeiro. Vanguarda como atitude produtora no “presenta da criação” e visada sincrônica como atitude revisora no “presente da cultura”, eis os pólos desta tensão da atual literatura brasileira.

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