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Livro Pêndulo

abril, 2024

O Livro Pêndulo é fruto da amizade entre o músico Marco Antônio Guimarães, do grupo Uakti, e a multiartista Julia Baumfeld, que ao longo dos anos reuniu materiais colecionados nos encontros e trocas entre os dois. Feito com bastante esmero e intimidade, o livro começa com uma sequência de desenhos e rascunhos que culminam na imagem de uma pasta onde está escrito: p/ julia. Eis que então se abre o universo criativo expandido de Marco e uma preciosa coleção de imagens mostram suas composições e criações realizadas a partir de elementos visuais, objetos, jogos do acaso e oráculos.

Após essa odisseia visual e intuitiva, com as devidas legendas reunidas depois das imagens, o livro termina com três pequenos ensaios e um poema, que nos transmitem mais um pouco acerca da música de Marco. Além do objeto-livro, a cartilha Figuras Geométricas também acompanha a publicação, expondo de forma mais detalhada o processo criativo de Marco e seu método de notação musical que propõe figuras geométricas como representação de compassos.

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A música do Marco sempre esteve presente na minha vida. Em 2008, descobri que morávamos na mesma rua. Ele habitava uma pequena casa entre muitas árvores. Depois, soube que nosso aniversário é no mesmo dia, 10 de outubro. Fiz então uma pintura de presente para ele e deixei na porta da sua casa, com o recado: tentar retribuir o que sua música me traz. Assim aconteceu nosso encontro. Nos conectamos de maneira forte e bonita, no entendimento dos sentimentos de vida e de criação, em conversas intermináveis e ligados por um amor que chamamos ‘amor de arte’.

Seus movimentos para realizar uma tarefa, seja doméstica, seja construindo um novo instrumento acústico, compondo uma música no teclado ou na marimba de vidro, são gestos mágicos de tão cuidadosos. Marco mostra que não é o virtuosismo o que permite criar, e sim a atenção ao que está ao redor. A potência não está na quantidade das notas, mas na forma como cada uma é tocada. Uma linha é também uma leitura sonora, um jogo do acaso é um método de composição, o desenho é uma partitura e acalmar a mente é um canal para formas misteriosas da criação.

As palavras que existem entre nós se arranjam como música e desenho. Elas falam de sensibilidade, anseios e encantos. Nossa troca de dias e dias, compondo anos de proximidade e amizade, ressoa de um jeito único em minha vida. Dizemos que nosso encontro ‘dez do dez’ cria uma sintonia que amplia o campo sensível, como respirar fundo. Não é à toa que Marco sempre me lembra da meditação: há algo tão simples e potente como respirar e manter a atenção nesse gesto? Ele sabe desse poder e com suas mãos cuidadosas e pensamentos inventivos cria encantamentos que nos convidam, com os sentidos atentos, a escutar o mundo.

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Reuni neste livro materiais colecionados em nossos encontros e trocas, no período entre 2008 (ano em que nos conhecemos) e 2016 (ano que Marco ministrou oficinas de criação organizadas por mim). As imagens ilustram o universo criativo expandido de Marco. Mostram suas composições e criações realizadas a partir de elementos visuais, objetos, jogos do acaso e oráculos. Algumas imagens são desenhos que ele me deu de presente em envelopes, outras surgiram enquanto ele me ensinava modos de composições simultaneamente sonoras e visuais. Há também materiais de suas oficinas de criação, de seus cadernos de estudo e de suas notações.

Pêndulo pretende transmitir um pouco da experiência preciosa acerca do saber de Marco. Nesse intuito, convidei pessoas que se conectam com seu universo criativo a escrever para o livro: Kristoff Silva, músico e educador que participou de oficinas de Marco e do Grupo Uakti. Cris Vaz e Olivia Viana, que participaram da leva de oficinas de criação ministradas por Marco em 2016. Marco Scarassatti, pesquisador da obra de Walter Smetak – músico e inventor de grande inspiração na trajetória do Marco. Felipe José e Emilia Chamone, pesquisadores das composições geométricas desenvolvidas por Marco e suas notações alternativas, que produziram o conteúdo da cartilha que acompanha o livro.

Agradeço ao Marco, sempre, por cada encontro e troca. Por sua criação que deixa o mundo mais lindo. Agradeço ao Fernando Fiúza, amigo de uma vida e além, que, antes de sua partida da terra, me conectou ao Marco. Foi ele quem lhe contou que conhecia a Julia que deixou uma pintura de presente em sua porta, em um 10/10.

 

Baralho

São várias possibilidades para a leitura musical do baralho, cada um pode criar a sua. Por exemplo: cada naipe significa um instrumento ou grupo de instrumentos, o valor das cartas pode se referir a uma nota musical e o coringa pode ser o código para o improviso, com tempo e altura livres. O regente, após embaralhar as cartas, decide o pulso (nas oficinas, Marco costuma encontrar a pulsação de seu próprio coração como referência). A partir daí, o regente sinaliza para o grupo esse pulso e mostra a primeira carta sorteada. Ao colocar a carta na mesa à sua frente, o comando se efetiva.

 

I Ching

Marco propõe uma leitura rítmica dos trigramas e hexagramas do conhecido oráculo chinês: “A linha inteira dura um tempo e a linha partida dura meio tempo (1 semínima/2 colcheias). Cada trigrama é um compasso ternário simples (3/8) e cada hexagrama, um compasso binário composto (6/8). A leitura do I Ching orienta-se das linhas de baixo para as de cima e, em um quadro de hexagramas, da esquerda para direita. Essa lógica musical já está definida na estrutura do I Ching.”

“O quadro de hexagramas mostra todas as combinações possíveis entre dois trigramas, formando 64 possibilidades de seis linhas: yin (inteira) e yang (partida). A ordem seguida pelo trigrama superior dos hexagramas na horizontal é a mesma seguida pelo trigrama inferior na vertical, para baixo. Desse modo, os trigramas se encontram repetidos na diagonal da combinação. Essa diagonal é referente aos hexagramas considerados especiais no I Ching.” ¹

 

Pregadores de Roupa

Com pregadores de roupas desmontados, Marco propõe a análise do formato e finalidade de cada uma das três peças constituintes do objeto: duas partes iguais de madeira e uma mola. Cada curva tem sua função e motivo de ser. As peças são então montadas de outras formas, que não a forma convencional, usando os três elementos e, posteriormente, organizadas em uma linha evolutiva, partindo do próprio pregador de roupa até a forma de montagem mais distante da concepção inicial. Essas formas podem representar diversos contextos, como o desenvolvimento de uma composição musical ou a trajetória de um artista. A linha evolutiva também serve como metáfora para os procedimentos de variação de um tema musical.

 

Partituras Geométricas

Notação musical que propõe figuras geométricas como representação de compassos. Desta forma, um quadrado corresponde a um compasso de quatro tempos; um triângulo, a um de três, e assim por diante. Para solucionar o compasso de dois tempos, Marco propõe dois círculos parcialmente sobrepostos. Um círculo solitário corresponde a um compasso de apenas um tempo. A apreensão instantânea do somatório dos tempos de um compasso é uma das qualidades dessa sobreposição. A figura, enquanto um plano na acepção matemática do termo , favorece a compreensão de um espaço aberto para a improvisação. Noutras palavras, a figura passa a representar um momento, com duração determinada, que pode ser preenchido por subdivisões ao sabor daquele que improvisa.

“No caso das figuras geométricas eu queria criar um sistema de notação para o improviso. Quadrado improvisa no compasso de quatro tempos, triângulo, de três tempos…” ²

 

Para saber mais sobre o livro e baixar a cartilha das Figuras Geométricas clique aqui.

 

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1 – Marco Antônio Guimarães em entrevista sobre o I Ching realizada por Alexandre Andrés e registrada por Julia Baumfeld em 2013. Esse quadro serviu como partitura para a música Dança dos Hexagramas, presente no disco I Ching, do Grupo Uakti.

2 – Marco Antônio Guimarães em entrevista realizada por Alexandre Andrés e registrada por Julia Baumfeld em 2013.

Fotos: Julia Baumfeld

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