DESAVERGONHADOS – ÓPERA EM QUATRO ATOS
Primeiro ato
Cena I
O palco está deserto. Ao fundo, remotamente, veem-se montanhas pintadas. Na pintura um sujeito desce correndo das montanhas com um samovar nas mãos. Há duas cadeiras no palco. No palco estão, de pé, Bogoliubov, segurando um bastão, e Porochkov, diante dele.
Bogoliúbov (canta): Pois agora eu bato em você!
Porochkóv (canta): Não, você não vai me bater!
Bogoliúbov: Não, eu vou!
Porochkóv: Ah, mas não vai!
Bogoliúbov: Eu vou!
Porochkóv: Não vai! (Ambos se sentam nas cadeiras).
Coro I: Ele vai bater nele.
Coro II: Não, vai bater nele.
Bogoliúbov (levantando-se): Agora eu bato em você (golpeia Porochkóv com o bastão, mas Porochkóv desvia-se do golpe).
INVESTIGAÇÃO PROFUNDA
Ermoláev: Eu estive com Blinov, e ele me mostrou o quanto é forte. Eu nunca vi nada parecido. É uma força bestial. Fiquei até com medo. Blinov levantou a escrivaninha, sacudiu-a e jogou a uns quatro metros de distância.
Doutor: Seria interessante investigar esse fenômeno. A ciência já conhece este tipo de ocorrência, mas não compreende suas motivações. Os cientistas ainda não sabem dizer de onde vem tamanha força física. Apresente-me a Blinov, darei a ele algumas pílulas experimentais.
Ermoláev: Mas que pílula é essa que o senhor pretende dar a Blinov?
Doutor: Que pílula? Eu não pretendo dar pílulas a ele.
Ermoláev: Pois o senhor mesmo acabou de dizer que pretende dar a ele umas pílulas.
Doutor: Não, não. O senhor está equivocado. Eu não disse nada sobre pílulas.
Ermoláev: Pois me desculpe, mas eu realmente ouvi o senhor falar sobre pílulas.
Doutor: Não.
Ermol: Não o quê?
Dtor: Não disse isso.
Ermlv: Quem não disse?
Dtor: O senhor não disse.
Ermlv: Eu não disse o quê?
Dtor: A meu ver há algo que o senhor não consegue dizer.
Ermlv: Não estou entendendo nada. O que é que eu não consigo dizer?
Dtor: Sua fala é bem característica. O senhor vai comendo as palavras, não consegue concluir uma ideia inicial, afoba-se e começa a gaguejar.
Ermlv: Quando foi que eu gaguejei? Estou falando com bastante fluidez.
Dtor: Pois é nisto que o senhor se engana. Está vendo? O senhor já está ficando com manchas vermelhas por causa da tensão. Suas mãos já estão geladas?
Ermlv: Não. Mas por quê?
Dtor: Pois esta é minha hipótese. Percebo que o senhor já respira com dificuldade. É melhor sentar-se, se não o senhor pode cair. Pronto. Agora o senhor vai descansar.
Ermlv: Mas pra que isso?
Dtor: Shh. Não force suas cordas vocais. Agora vou tratar de aliviar seu sofrimento.
Ermlv: Doutor! O senhor está me assustando.
Dtor: Meu caro amigo! Eu quero ajudar o senhor. Tome isto aqui. Engula.
Ermlv: Ah! Eca! Que gosto doce horroroso! O que é isso que o senhor me deu?
Dtor: Nada demais. Fique tranquilo. É um procedimento seguro.
Ermlv: Estou sentindo calor e tudo parece estar esverdeado.
Dtor: Sim, sim, sim, meu caro amigo, agora o senhor vai morrer.
Ermlv: O que o senhor disse? Doutor! Não, eu não posso! Doutor! O que o senhor me deu? Não, doutor!
Dtor: O senhor tomou uma pílula experimental.
Ermlv: Me ajude. Oh, me ajude. Preciso respirar, oh, me aju… oh, respirar…
Dtor: Sossegou. E não está respirando. Significa que já morreu. Morreu sem encontrar sobre a Terra respostas para suas perguntas. Mas nós, os médicos, devemos investigar profundamente o fenômeno da morte.