Crispiana ou, como é bem conhecida, Mãe Piana é matriarca do Quilombo de Praia, em Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, na região de Arraial do Meio e Boca da Caatinga. Sua fama se dá pelo fabuloso fato de que trouxe ao mundo com suas pequenas mãos duas mil e dezesseis vidas. Isso mesmo, 2016 pessoas chegaram ao mundo por obra dessa pequena-gigante. Sem pedir nada em troca, sem perder nenhuma mãe e nenhum bebê. Sabedoria, poder e fé inestimáveis dessa mulher generosa, quilombola e indígena.


Irmã mais velha de seis irmãs e irmãos, Piana não pôde aprender a ler e escrever por ajudar a cuidar de todos e da casa. Este fato me contou com um tiquinho de tristeza, mas com grande dignidade, de quem se orgulha de sua caminhada e encara a vida de frente, com cabeça erguida, coragem e força.


Em 2021, tive a oportunidade de revisitá-la para gravar e entregar em mãos fotos suas e de tantas outras pessoas do quilombo, feitas em 2015. Durante uma das entrevistas filmadas, perguntei para Mãe Piana como ela tinha aprendido tanta coisa preciosa. Ela me disse, sem pestanejar nem uma fração de segundo, “É Deus que me fala, minha filha”.
Nessa visita, pude refazer uma fotografia já marcante, buscando outros tons, lonjuras e ela sozinha, que coincidentemente vestiu-se na cor do tronco desse enorme jatobá que reina em seu quintal. Mãe Piana e a árvore, duas rainhas conversando sobre suas raízes profundas nesse chão-comunidade e sobre os frutos incontáveis da vida coletiva, do bem viver. Se prosearam essas belezas em palavras, eu não sei, mas é o que escutei naquele instante e o que escuto toda vez que me coloco diante desse retrato.

Além de parteira, Mãe Piana é rezadeira e curandeira. Cada comunidade do quilombo que passo, as histórias de gravidez e cura que vieram depois de seus remédios e rezas me chegam aos ouvidos sem que eu pergunte. Eu mesma voltei dessa segunda visita com três litros de remédio para os ovários, feito com ervas de seu quintal, com ajuda de muitas mãos de mulheres de diferentes gerações. Tomei tudo, conforme o recomendado, por todo respeito e reverência que tenho por ela, mas com certo ceticismo, confesso. Nunca tinha vivido isso. Passaram-se os meses e no meu próximo exame a fama se confirmou: não se via mais nenhum cisto.

Agora, na ocasião do seu centenário, regresso a essa terra para registrar tamanho evento. Centenas e centenas de pessoas estão a caminho do Quilombo de Praia para a festança! Piana é uma vida para celebrar com coração e força, é uma mulher para se fazer conhecer por toda parte do nosso Brasil. Diante de tanta ignorância racista e colonial, contar sua história é combater a injustiça, o preconceito e os desmandos do dito “progresso”, que de desenvolvimento só tem trazido mesmo a destruição para os povos tradicionais e os biomas brasileiros.
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!



