Aqui, aos pés da cruz, já não choro como antes chorava. Os amores perdidos, as promessas desfeitas: os vejo como quem vê uma flor, um oceano, uma parede. Retornei aos meus anos divinos e nada encontrei, fui atrás dos amores sinceros e nada obtive. Agora me sento aqui, no banco de um museu, e observo cristo na cruz. A estátua de madeira, como tantas nesse lugar, os olhos fechados a cara de lado, como quem ainda quase morreu. Não me comovo. Permaneço aqui, claro-escuro, o coração na boca o vendaval no peito. Não me permito mais escrever poemas como antes: me sinto velho, e aos poucos relembro as vidas passadas. As dores de ontem, as mágoas de hoje, a vida de amanhã. Ouço o estreito passo, como se arrastando em marulho. Não preciso de mais nada: estou só, mas a humanidade é minha irmã e, por isso, não temo, antes, sossego - como quem já não espera pelo impossível milagre, como uma criança que, depois do choro, enxuga a cara e corre para o mar (o sorriso cravado na fronte, a esperança à espera da enchente). Recordo os breves assuntos, os quase-acenos, os impérios desaparecidos. Assim seremos também, os que vivem. Nasço e renasço num estouro, o exato barulho da fonte. Aqui estou, aqui permaneço: nada não tenho e, por isso mesmo, amo.
- Página inicial
- <
- poesia
- <
- Canção para não morrer
Canção para não morrer
agosto, 2023


Casé Lontra Marques

Vitor Faria