se andamos
como lestrigões
cortando o céu amarelo e o asfalto estriado
se somos
como lestrigões e o mundo passa rápido
e a crosta terrestre é quase pouca, pra nós
que comemos macieiras inteiras e gostamos do gosto da terra e sentimos sono, sempre
se somos lestrigões
e você é ligeiramente menor
(a diferença de um prédio de 11
andares)
se somos lestrigões e como tais
contamos segredos usando o tronco das árvores e os passageiros do ônibus tremem
perturbados pelo eco de nossas vozes graves
se nossos fios de cabelo abarrotam as ruas e o vento não nos faz nada
a não ser
entreter
e se cuidamos de nossas cabeleiras lisas com óleo de baleia
e bebemos chá de boldo aos baldes
e se somos lestrigões
e mesmo assim o sol e o reflexo do sol
e as nuvens e o mar nos espantam ainda e
<<se o pão tem seis mil anos e o mar tem mais >>
nós, que somos lestrigões já cansados
de atracar navios
caminhamos a pé pela avenida Padre Leonel Franca
a mão no meu bolso, quente
e os pedestres perplexos
e as buzinas insistentes
e os faróis vermelhos
projetando sobre a nossa pele
os mapas marítimos de três mil anos
e se somos
como lestrigões
e bêbados avançamos em bicicletas alugadas
pela enseada de botafogo
nós, que somos lestrigões,
apenas esperamos setembro
pacientemente