Hoje é o aniversário da execução
de García Lorca e se alguma coisa
mudou desde então, foi pra pior
eu estou na Central do Brasil
esperando que alguém me ligue
com uma notícia boa
não tenho vontade de voltar para casa
não tenho vontade de ir trabalhar
não tenho vontade de quase nada
e espero me apaixonar nos próximos minutos
há qualquer coisa de perverso em tudo isso
penso em Antônio Conselheiro
e em seu cadáver profanado
a santidade do mundo
é sempre mais perigosa
que qualquer diabo
uma vez o eremita me sorriu
em uma carta de tarô e desde então
tenho colecionado abandonos
ocorre-me que talvez estejamos
vivendo o apocalipse
ocorre-me que talvez sejamos
todos o anti-cristo
tenho profetizado o fim dos tempos
com uma vontade aguda
de que o mundo dê merda
e quando isso acontece
é quando estou mais feliz, eu me digo,
basta desse teatro – vamos ver
até onde eles estão dispostos
a levar isso aqui
e eles estão dispostos a levar
a coisa bem longe
desde que não tenham que fazer
acontecer com as próprias mãos
quando eu era pequeno a minha avó
matou um porco com as próprias mãos
a mesma avó que me limpava o rabo
e que agora não existe mais
admiro o silêncio forçado dos santos
o perigo mortal de um pulmão que respira
e agora essas crises de riso
que me acometem como o chorar
mas eu sou mais forte que isso
eu lhes digo
eu estou estudando a tristeza
eu sempre fui bom de estudar
eu sempre fui bom em ser triste
há dias em que sinto certo nojo
de ser homem
gostaria que todos menstruassem
para variar
às vezes recordo as pessoas
que amei e me pergunto se elas
estão mais felizes que isso
preciso logo colocar uma filha no mundo.