Poemas de “Amanhã alguém morre no samba”, último livro de Carla Diacov, publicado por Douda Correria, Portugal (2015)
quanto do tempo
daqui até o teu sexo
abrir jardins e fazer caminho de abelha vindo do mar
abrir um livro e penar sobre o teu pássaro
e não morrer ali
quanto do tempo
daqui até abrir
daqui até o teu rosto de pedra
correr a costa toda
é plano para cachorros e manhãs
é abertura para o bananal
é do mar e é meu também
a tua mão tem o tamanho do gesto dentro da minha boca
abro a janela e rezo: quanto do tempo.
abro a janela para trançar não
os teus cabelos
tranço os meus dedos nos teus cabelos
há essa obrigação quase líquida
abrir a janela
ver a cidade contínua
sobre rodas os barquinhos fazendo fila
abrir a janela e tesar trançar salivar
são tantos os alfinetes na língua
digo
o bananal ao lado não
afundou-se em aborrecimentos
estamos cheias de comiseração não
pelos alfinetes na língua
eu tua cabeça as asas da janela meu sono
chega de disso é um tipo de névoa extraordinária
queremos culpa
queremos culpa
queremos a culpa que rasgue os dias de seus santinhos
passo por esse casal de amantes
é como meter as mãos num balde de sardinhas
são tantas as mordidelas
estou ferida
não é mortal
passei por aquele casal de amantes
foi como meter num balde de sal
estraçalhadas
as mãos
são tantas as sardinhas
como corta o sol
nem meio gato à vista
como corta a luz
como corta o navio
são tantas as escamas
é como meter as mãos
são tantos os braços
nem meio gato
nem meia língua
nem meio mal
neste sofá deitou-se o meu amor
eu poderia dizer isso
neste sofá deitou-se o meu amor
posso e digo e digo sorrindo
pois que neste sofá deitou-se o meu amor
e pronto
estou livre da horrenda figura
neste sofá deitou-se o meu amor