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Em uma clareira era noite

novembro, 2015

Em uma clareira era noite. Preguiçosamente surgiram de dentro do escuro três animais. Dois, que eram da mesma espécie, chegaram fazendo companhia um ao outro, e o terceiro, solitário. Curiosamente este vinha falando, enquanto os outros dois se vinham calados (já que passaram o dia juntos tinham se acostumado à companhia um do outro e nada de novo tinham do que falar).

Quando chegaram à clareira, todos os animais citados na narrativa se encontraram, e com um breve balançar de cabeça se saudaram. Os dois, que esqueci de mencionar, eram um casal, desaperceberam do outro logo que esse, saindo do claro da clareira, sumiu no escuro das árvores. No entanto, no meio de um repente, eles sentiram algo. Sentiram que sentiram falta do outro e pararam. Olharam para trás e perceberam o vazio que o terceiro tinha provocado no claro da clareira, e mais a frente, no escuro das árvores. Suspiraram e fecharam os olhos.

Nesse brevíssimo instante do piscar, instante esse que o espirro causa, instante entre o cheiro e a memória, instante que o vento sopra a folha de uma janela causando estrondo, instante que o escritor em sua mesa deixa o lápis cair no chão sem se dar conta, instante que um grão de milho estoura na panela se dando o privilégio de tornar flor branca, instante que uma mensagem sai de um dispositivo, atravessa as ondas habitantes do ar e chega a outro dispositivo, instante que um salmão salta contra a corrente e percebe que o que o espera não é a água que acabou de deixar, mas sim a boca de um urso-pardo, instante que Picasso, depois de 63 dias de trabalho e constantes alterações, dá a pincelada definitiva em Mulheres de Argel, quadro este que atingiu o incrível status de obra a ser vendida pelo maior preço da história dos leilões de arte (precisamente 573 milhões), nesse instante dois olhos brilharam entre as árvores. Quando o casal despertou do seu piscar, já não havia mais o que ver.
Suspiraram mais uma vez e tornaram o seu caminho, ainda silenciosos.

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