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Livre de taxonomias, enquadramentos ou classificações

agosto, 2014

Consciente do meu lugar como contribuinte para o sistema de arte e consequentemente com o mercado de arte. Explico: não acredito que se esteja contribuindo para o mercado apenas participando de relações de compra e venda. Embora não satisfeita, reconheço que o estudo e aproximação com o meio artístico muitas vezes se dá inerente a processos de legitimação e adição de valor. Portanto, o que me parece mais importante a se fazer no contexto atual, para aqueles que rejeitam a posição da arte próxima à divindade e do artista ao profeta, é de pensar quais são nossas parcelas de responsabilidade enquanto profissionais do meio artístico. Seja qual for nossa função dentro desses processos: curadores, artistas, educadores, todos devemos, a meu ver, como qualquer outro agente atuante em nossa sociedade, assumir responsabilidades.

No ano de 2013, trabalhando como educadora, desenvolvi uma Conversa de Galeria sobre os limites na arte contemporânea. Os limites, ou melhor, os não-limites estabelecidos atraíam minha atenção. Minha intenção era que a partir dessa dúvida pessoal surgissem espaços para debate e reflexão sobre o papel do artista como agente social. Que responsabilidade tem os artistas em situações performáticas que criam e o público, que, afinal, retroalimenta o sistema de arte? Quais são nossas responsabilidades frente a processos que irradiam prestígio ao invés de criarem irradiações de sentido?

O Museu de Arte do Rio (MAR) convidou este ano o GE a expor e residir entre suas paredes. O Grupo Empreza (GE), coletivo de arte composto por performers de diversas capitais do país, entre elas Goiás e o Distrito Federal, existente há mais de treze anos trabalha através da super-exposição do corpo o desejo de expandir seus limites. O grupo investiga os limites do corpo como matéria e território, colocando-o como objeto e sujeito de linguagem. Suas performances envolvem violência e o desgaste do corpo, que age e se sujeita a situações que buscam o extremo. Em uma de suas performances dois homens vestidos de terno, uma marca do grupo, têm suas cabeças amarradas por uma corda que os une. Ambos integrantes tentam fugir da corda e para isso puxam um ao outro violentamente num exercício constante até a exaustão de um dos performers. Em outra performance, meio à Avenida Paulista em São Paulo, um homem de terno se arrasta, rasgando, sujando e expondo um corpo que se fere ao longo do mesmo caminho que fazem centenas de paulistas todos os dias.

A exposição contou com uma sala destinada à trajetória do grupo, com vídeos de diferentes performances e outra sala, na qual o público pôde interagir com os artistas, no que o museu chamou de ateliê coletivo, na intenção de que o processo de criação dos artistas fosse compartilhado com os visitantes.

Após uma residência de arte contemporânea e pedagogia, minhas dúvidas sobre os limites na arte contemporânea aumentaram: Não sobre limites já constantemente trabalhados por artistas, tampouco os do espectador, mas os limites que o espectador impõe. Minha dúvida reside em se existem limites estabelecidos pelo público. Se o público comum, me referindo ao público não envolvido com o meio artístico profissionalmente, tem fala dentro do processo de criação. Se não o tem, teríamos então criado um meio capaz de sustentar e expor o trabalho de agentes emancipados de qualquer limite? É isso que desejamos? É então, em todo artista que depositamos toda confiança de que suas obras sejam sempre capazes de ativar espaços de reflexão ou deleite, e que para isso deliberamos ao seu processo de criação qualquer condição?

Durante a residência, a responsabilidade do artista como ser atuante no imaginário coletivo, interpessoal e individual foi um dos assuntos que mais debatíamos. Colocava-me de frente com dúvidas sobre minha prática educativa, diretamente social e atuante na criação de relações entre público/obra e público/artista. O trabalho que desenvolvo com o público torna-se importante a partir do momento em que se reconhece que o educador é agente capaz de instigar reflexões, impor discursos associados ou simplesmente criar o interesse do público por aquela obra ou aquele artista. Vejo então que o meu trabalho também envolve a responsabilidade de pensar, estudar e questionar o artista. Enquanto educadora assumo responsabilidades, assim como o artista assume as respectivas à sua função como agente atuante na sociedade.

Contrariando, não estaríamos, assim como na performance “Arrastão” do GE, batendo-nos de frente, num choque constante entre público e artista, sem a possibilidade diálogo entre os dois agentes? Se o educador configura-se como figura responsável por mediar à relação entre ambos, não seria ele também responsável por procurar que essa relação se faça democrática e construtiva?

Antes da abertura da exposição, os educadores do museu foram convidados a participar de um laboratório de criação performática, com o intuito de uma criação coletiva entre artistas e educadores. O objetivo era que pensasse em conjunto possibilidades de mediação para os grupos que receberíamos e levaríamos até sua exposição.

Dentro da atividade proposta pelo Grupo Empreza, foram colocados materiais dos quais poderíamos escolher três para utilizar e criar uma performance. Escolhi uma fita adesiva preta e um batom. Com a fita, delimitei um metro quadrado aproximadamente. Inserida naquele espaço delimitado acabara de criar um outro território, protegido das possíveis consequências que a instituição poderia vir a criar em resposta ao que planejava realizar. A faixa, símbolo insuperável da institucionalização da arte, me protegia sob o pretexto de que o que iria fazer não era como estratégia educativa, mas como performance. Tirei a camisa e nela escrevi, ocultando do público (neste caso formado por colegas de trabalho, supervisores e membros do Grupo Empreza): “O Artista Pode o que Ninguém Pode”. No meu peito nu, escrevi de batom: “Não Posso.” A frase era visível para o público. O batom era o único material disponível para escrever, sua cor e sua textura não ajudavam a tornar o escrito mais visível, nem na camisa, nem no meu corpo. Seguido, coloquei a camisa e finalmente revelei para o público o que escrevi: “O Artista Pode o que Ninguém Pode”. Ao colocar a camisa mais uma vez reforço um território isolado dentro do espaço institucional que me protegia da ação que havia realizado.

O artista realmente parece poder tudo o que ninguém pode. O artista é aquele que, deslocado das exigências de qualquer outro trabalhador, cria situações que evidenciam os limites morais e culturais. Minha dúvida fica no limite do artista enquanto agente que denuncia e age contra tais estruturas, ou como aquele que coage e as reforça. De uma coisa eu sei. Não sou artista. Portanto não poderia aquilo que o artista pôde. Saio do quadrado de fita. Fim da performance.

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