3 poemas de Flávia Muniz
Dei a falar com o tempo
O que não disse ao luar da noite
Dei a falar com as horas
Numa língua qualquer
Que só entendem os anjos
Filosofemas de rogação.
Dei a falar com o tempo
O que não disse ao luar da noite
Dei a falar com as horas
Numa língua qualquer
Que só entendem os anjos
Filosofemas de rogação.
Ler,
Não como quem lê o texto,
Não como quem lê um texto,
Não como quem lê.
primeiro, precisamos falar da escrita. signos abstratos que designam coisas, sons, sensações, etc. a escrita não tem uma relação necessária com a fala, o som sentido. aliás, arriscaria dizer que (ainda) são coisas muito diferentes.
como minha vó ensinou
acordo todas as manhãs e rezo
ajoelho em qualquer que seja o leito
e me vejo em toda dor que me caiba no peito
então os joelhos são ardidos
quase sempre encardidos
mas eu não
eu não fiz nada
aqui estamos nós, os cercados, mais uma vez.
somos outra vez os sionistas dos anos trinta.
somos outra vez o rapaz de vermelho linchado.
somos outra vez a quenga que deve morrer.
sem internet na cidade capital do sol. com chuva. há dias. organizar os pensamentos questão de v1d4 ou morte. sob risco. apalpar as urgências, mesmo criá-las novas e de novo. a cabeça debaixo d`água numa piscina azul que reluta aceitar a condição de bacia e transborda. as bordas. mais de 1 minuto debaixo dágua tentativa e erro. submersão abrutalhada respiração feita do parto escute – o som é iletrável – puxe o ar com força e susto-agora. impressão de nascer de novo sob o contorno de outras águas.
estação da Penha
desemboco perdida na linha de fuga, percebo
-como se percebem os furos de tatuí na areia de grumari –
o grão de purpurina no fim do carnaval
meu segredo é não reclamar de nada
é seguir a vida
como a vida é
os outros que me perdoem, as mulas que me
abençoem
pois das incertezas
teremos feito mar
e de nossos braços
jangada
uma embarcação torta
e delicada