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O deslitígio do universo

2003

Publicado originalmente em "Guilherme Vaz – uma fração do infinito", curadoria Franz Manata. EXST: Rio de Janeiro, 2016. Pgs 264-65.

Encarte do CD "O Homem Correndo na Savana"

O que nós queremos dizer é que uma árvore é uma civilização. Como todas as civilizações, ela abriga civilizações auxiliares. Essas civilizações podem ser constituídas de seres da interface mineral, animal, passando por todas as escalas dos seres vivos conhecidos ou não, até a contenção de cargas elétricas desconhecidas, e conhecendo o mundo da matéria vestigial onde começa o mundo espiritual.

A árvore contém todos eles. Essas civilizações estão divididas por espécies que, por sua vez, constituem macrocivilizações conjugadas e similares, como a do baobá na Austrália, a do pau-brasil em São Gabriel no alto rio Negro, a da mangaba nos chapadões e cerrados da América do Sul, a da saboarana no médio rio Negro; o que nós estamos dizendo é que a civilização não é um conceito único do homem. Existe também a civilização das térmitas. Portanto, estamos propondo o deslitígio do universo. Denominamos falso e artificial o litígio anterior não servindo à diversidade mas ao contrário à homoinstancialidade hegemônica. Portanto, contrária à vida e ao clássico axioma de Eros tal como proposto pelos antigos, essencialmente divérsico e abrangente em toda criação. Sentimo-nos felizes ao lado de nossos companheiros, as pedras, os animais e as plantas; somos parentes deles de alguma forma. Queremos propor também não somente a história do homem mas também dos falcões, a do gavião-real do Amazonas, a dos cervos indianos, a do leopardo branco do Himalaia, a da baleia-azul, a do puma dos Andes, entre muitas outras (a fauna dos … como sempre).

Queremos também dizer claramente para todos ouvirem que o homem que constrói móveis com “madeira de lei” é semelhante ao homem que constrói seu jardim com pedras de Machu Picchu.

Estamos dizendo e afirmando que existem sinais de escrita entre os animais e que os seres denominados “árvores” detêm um tipo de conhecimento desconhecido para o homem. Estamos dizendo em todos os sentidos que todos os seres vivos possuem linguagem e mesmo os minerais a possuem. O que isso significa para a arte? Por que é importante essa posição para a arte praticada pelo homem atual e anterior? Em primeiro lugar, e mais importante, ela combate o antropocentrismo letal presente na cultura e na arte ocidental, onde cegos conduzem cegos por ruas de tráfego. Existem sinais claros de arte em todos os seres vivos, inclusive nos translúcidos. Em segundo, e não menos importante, ela irmana o homem com todo o universo engrandecendo-o pela humilhação de sua arrogância homogênica. Estamos propondo o deslitígio do universo. Estamos propondo a convivência de todas as civilizações do universo, conhecidas ou não.

Essa proposta começa com a cineinstalação A árvore no Museu de Arte Contemporânea de Niterói: e segue à frente com o destino certo e desconhecido. Não há arte sem homem e não há homem sem arte. Não existe o homem sem mundo.

Para Camilo
Para Sérgio

Chapada do Sul de Goiás,
20 de fevereiro de 2003.
(Para o diretor Sérgio Bernardes)

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