Matylda: Queria pedir para você se apresentar (quem é você, de onde você vem e qual a sua profissão?)
Yana: Atualmente moro e trabalho aqui em Lviv, Ucrânia, desde que entrei para a Academia de Artes de Lviv. Estudei restauro e arte sacra, mas eu me vejo como uma artista contemporânea. Eu acho que a pintura é a coisa que eu mais gosto.
M: Você poderia descrever um pouco da sua cidade e de seus arredores?
Y: Adoro os contrastes entre áreas diferentes e também adoro o centro da cidade repleto de vida cultural e os bairros cheios de prédios da era soviética.
M: Como isso influencia o seu trabalho?
Y: Engraçado, a ideia da série “Berehyni” veio da experiência de morar em um dormitório cheio de senhoras idosas durante a época em que eu era estudante. Elas eram 80% da minha vizinhança. Primeiro elas me incomodaram, mas quando comecei a fazer esboços engraçados, na verdade achei elas personagens muito interessantes.

M: Você poderia falar um pouco de como é o seu processo criativo?
Y: Quando eu tenho uma ideia, anoto logo para não perdê-la, mesmo que esteja no meio de uma conversa. Depois faço uma pesquisa e procuro por referências: rostos, poses, figuras, padrões, símbolos e então faço 60% de trabalho na tela. Aí eu procrastino questionando minhas escolhas, mas termino em algumas sessões. Geralmente tenho alguns trabalhos em andamento.
M: Como você descreveria sua técnica artística e o que te atraiu nisso?
Y: Geralmente eu misturo técnicas diferentes que intuitivamente competem uma com a outra. Tinta a óleo para retratos, para as mãos e para algumas imagens especiais. Tinta acrílica para partes decorativas. Eu estou experimentando também com têxteis – tecidos vintage e bordado à mão nas pinturas atuais.
M: Em sua série “Berehyni” o papel principal é a figura da avó (babcia), que na verdade é um arquétipo muito forte na cultura eslava. Como foi o seu caminho de reinterpretar a avó no seu trabalho e como é a recepção dela na Ucrânia e em outros países?
Y: Você tá certa, o arquétipo da “babcia” é realmente muito importante na nossa cultura e mentalidade. Eu me pergunto porque ela não está tão elaborada na arte ucraniana como deveria. Eu tenho uma visão muito específica sobre essa personagem, então dentro e fora da Ucrânia há quem goste e há aqueles que não gostam e tudo bem.
M: Você poderia elaborar um pouco mais sobre isso? Estou muito curiosa sobre sua visão, ou isso tem a ver com que você falou sobre idosas que você observava durante seus estudos?
Y: Eu realmente acho que “babcia” deve ser um dos principais arquétipos ou personagens na cultura e mentalidade ucraniana. Meu interesse nelas começou quando aluguei meu primeiro apartamento e acabou que 80% da minha vizinhança eram de senhoras mais velhas. Eu comecei a percebê-las.. Mulheres acima de 50 anos geralmente são invisíveis na sociedade, infelizmente. Então veja, quanto mais eu observava e as retratava, mais eu aprofundava esse assunto. Com a ajuda dessas personagens, eu transmito minha visão dos problemas sociais. Avós podem contar muitas histórias.

M: Qual artista ucraniano mais te influenciou? Você poderia nos dizer como isso te formou e influenciou seu jeito de pensar e criar?
Y: Difícil de dizer. Muitos artistas, inclusive meus professores da academia, influenciaram meu processo criativo. Hoje os maiores exemplos são Nina Murashkina e Anastasia Podervianska.
M: Como é o conhecimento e a recepção da arte ucraniana fora da Ucrânia?
Y: Eu vejo que aumentou no mundo o interesse pela cultura e arte ucraniana depois da invasão russa em grande escala. Nós somos finalmente vistos como um país separado e diferente. Muitos artistas foram para o exterior, para países europeus e para os Estados Unidos em busca de refúgio e segurança básica. Lá, eles atualmente trabalham e fazem seus projetos, enquanto outros trabalham aqui na Ucrânia. Ao longo desses três anos, artistas ucranianos provaram que trabalham com qualidade de nível internacional.
M: Você sente uma divisão entre artistas do Leste Europeu e do Oeste da Europa? Onde você se vê nisso?
Y: Depois de me comunicar com artistas em residências artísticas, eu percebi que todos nós como artistas temos os mesmos objetivos e problemas, apesar da localização e do contexto, então é difícil achar uma distinção. Eu me vejo nos lugares onde minha arte tem impacto e é apreciada, não importa se é na Europa do Leste ou do Oeste.
M: O Rio de Janeiro é um lugar de enorme violência e nós por aqui dizemos que há uma condição mental de guerra, por causa de todos os cuidados que você tem que ter, especialmente quando você vive em uma comunidade ou mora longe dos bairros ricos e turísticos. Eu não quero comparar com a guerra em grande escala na Ucrânia, mas queria te perguntar – como você está vendo o mundo de hoje e como é o seu dia-a-dia? Qual parte da vida uma guerra muda mais?
Y: Essa é uma pergunta difícil. Uma guerra tira seu sentimento básico de segurança, tira um futuro em que se pode fazer planos. O que mudou mais? A saúde mental. Não é mais algo constante, nós estamos lutando só para nos mantermos de pé. O sentido de colapso da lei internacional é assustador. E não há mais justiça para cada um e para todos. Havia momentos em que planejar para uma semana ou duas já era uma vitória pra mim. Agora estou planejando exposições e projetos com um ano de antecedência e isto é realmente muito otimista e delirante. Claro, não sou uma árvore e posso me mudar para um país mais seguro. No entanto, eu tenho família, amigos e meu amor aqui que eu me preocupo, e as duas decisões são difíceis (sair e ficar) e eu não tenho nem um pouco de inveja das pessoas deixando a Ucrânia, só estou triste. Eu tenho saudade dos meus amigos, nossa relação está acabando – indo por água abaixo por causa da distância e das diferentes circunstâncias.

M: Como a sua vida mudou depois da guerra e como isso influenciou o seu trabalho?
Y: Durante os primeiros meses da invasão em grande escala, eu não conseguia trabalhar. Parecia que estávamos sem futuro. O senso básico de segurança estava perdido. A verdadeira arte vem da curiosidade e não do medo. No entanto, eu estava tentando procurar algumas imagens para descrever os novos sentimentos que não vivíamos antes. Por exemplo, a dicotomia emocional quando nossos corpos estão seguros por fora, mas nossas mentes estão com nossos parentes sofrendo bombardeios e apagões. Ou o sentimento de pesar de não ter como colocar flores nos túmulos de soldados e civis mortos e largados no território ocupado. É sobre tudo isso a minha série War flowers e Lifetrees.
Em maio de 2024, eu apresentei um projeto pessoal Minesweepering. Nossa vida virou um jogo de campo minado (Minesweeper) onde você não sabe quais são as regras e só pode confiar na intuição e na sorte. Ninguém sabe como fazer algo certo, mas quando alguém erra, todos julgam.
M: Eu li sobre sua residência na Finlândia e o que chamou a minha atenção foi sua decisão de buscar um lugar seguro: “Os objetivos principais dessa residência para mim foram segurança, boas condições para a criatividade e para o trabalho, e a recuperação mental num ambiente calmo, algo que esse programa certamente oferecia”. Você poderia falar mais sobre essa experiência? Eu sei que você já fez residência em Narodnyj Dim em Przemysl (cidade no sudeste da Polônia, aproximadamente 10 km da fronteira com a Ucrânia), onde eu vi seus trabalhos pela primeira vez (isso foi muito emocionante, você estava falando sobre seus três trabalhos e chorando).
Y: Essa entrevista foi realmente emocionante. Eu me inscrevi para a residência quando houve bombardeios e apagões na minha cidade e eu não fui capaz de trabalhar. Eu percebi o quanto estressada eu estava no caminho de trem de Helsinki para Tampere. Todos na minha volta estavam relaxados, conversando, sorrindo, algo normal, na verdade. Estar completamente atordoada que não é.
Como falei, criatividade vem de um lugar seguro de curiosidade, e não de medo. A residência artística ofereceu segurança financeira e física, então você tem muito mais recursos para trabalhar. Eu tinha um grande ateliê e muito tempo para pensar – refletir. Olhando para trás, eu vejo como eu fui produtiva. Eu estava trabalhando por dois meses e meio sobre paisagens finlandesas, Lifetrees and e na série War Flowers
Em Narodnyj Dim em Przemysl eu me senti realmente em casa, algo que não estava esperando. Todos residentes eram de várias partes da Ucrânia e do exterior. Juntos estávamos procurando uma definição de “casa” e preparamos uma performance e exposição. Havia três grandes trabalhos: “Shelter”, “Place of peace” e “Behind two walls”, que eu apresentei no Narodnyj Dim.
Em fevereiro do ano passado, houve um festival com os residentes selecionados do ano de 2023. Nós passamos cinco dias preparando projetos pessoais para exposição final em Narodnyj Dim. Eu apresentei minhas séries sobre a luta contra depressão (o que foi extremamente difícil para minha personalidade).
A residência oferece condições onde você pode focar totalmente no seu trabalho, sem tarefas e responsabilidades domésticas. Artistas mulheres podem se identificar com a importância disso.


M: No que você está trabalhando agora ?
Y: Eu estou totalmente interessada em combinar diferentes meios na pintura. Ano passado, eu comecei meus experimentos com pintura e têxteis. Material para o trabalho está quase todo ao nosso redor: Eu percebi o que me incomoda na sociedade, nas pessoas e nos cenários que experimentamos inconscientemente, e eu quero achar uma chave simbólica, ou uma parábola ou mito que me ajudaria a compreender as razões. Eu estou trabalhando na tela sobre nosso jogo social de transitividade, que é a “competição de luto” ou ver quem de nós está sofrendo mais. Todos na Ucrânia estamos passando por tempos difíceis mesmo que não pareça. É muito frustrante quando você reúne toda sua coragem para estar vulnerável e compartilhar, e eles te dizem “isso não é nada, eu (um parente, um amigo ou pessoas que você não conhece) estou numa situação muito mais difícil”. Aí o apoio acaba se tornando uma competição de luto.

Matylda: Could you please introduce yourself?
Yana: I currently live and work in Lviv, Ukraine. I moved here to study at the Lviv National Academy of Arts, where I focused on restoration and sacred art — but I now identify more as a contemporary artist. Painting is probably my greatest passion.
M: Could you describe your city and surroundings a bit?
Y: What I love most about Lviv is the contrast — the vibrant cultural life of the city center coexisting with raw, Soviet-era districts. There’s beauty in both, and that tension inspires me.
M: How does that environment influence your work?
Y: Funny enough, my “Berehyni” series was born during my student years, when I lived in a dormitory filled with elderly women. They made up about 80% of my neighbors. At first, I found them irritating — but when I started making humorous sketches of them, I began to discover how fascinating they really were. They eventually became central characters in my art.
M: Can you share a bit about your creative process?
Y: Whenever an idea comes to mind — even in the middle of a conversation — I make sure to write it down immediately. Then I dive into research: I look for references like faces, body poses, patterns, symbols. About 60% of the work happens directly on canvas. Then comes a phase of procrastination and self-doubt. I usually finish the piece over a couple of sessions, admire it for the first 20 minutes… and then move on. I often have multiple works in progress at the same time.
M: How would you describe your artistic technique? What draws you to it?
Y: I tend to mix techniques that almost seem to compete with each other — intuitively. I use oil for portraits, hands, and key imagery. Acrylics are better suited for decorative parts. Recently, I’ve been experimenting with vintage textiles and hand embroidery directly on the canvas.
M: In your series “Berehyni”, the central figure is a grandmother — a very strong archetype in Slavic culture. How did you reinterpret this figure, and how has your work been received in Ukraine and abroad?
Y: You’re absolutely right — the “Babcia” archetype is deeply rooted in our culture and collective mindset. I find it surprising that it’s not more widely explored in Ukrainian art. I have a very personal take on this character, so naturally, reactions vary. Some people absolutely love it, others don’t connect with it — and that’s completely fine.
M: Could you elaborate on your personal view? Does it relate to the older women you lived among as a student?
Y: I genuinely believe the Babcia should be one of the core archetypes in Ukrainian culture. My fascination began when I moved into my first apartment and realized the majority of my neighbors were older women. Society tends to make women over 50 invisible, which is heartbreaking. The more I observed and painted them, the deeper the theme became. Through these characters, I try to express my take on social issues — these grandmothers carry an entire universe of stories within them.
M: Which Ukrainian artists have influenced you the most?
Y: Many artists have impacted me, including my professors at the academy. But currently, I’m especially inspired by Nina Murashkina and Anastasia Podervianska. Their work helped shape my thinking and creative direction.
M: How is Ukrainian art perceived abroad?
Y: Since the start of the full-scale Russian invasion, global interest in Ukrainian culture has grown significantly. We’re finally being seen as a distinct and independent culture. Many artists have moved abroad, where they continue their work and find opportunities. Others, like me, remain in Ukraine. Over the past three years, we’ve proven that Ukrainian artists are creating work of truly global quality.
M: 10–11. Do you feel there’s a divide between Eastern and Western European artists? And where do you see yourself?
Y: After taking part in artist residencies and meeting creators from around the world, I’ve realized that we all share the same challenges and goals, no matter where we’re from. So it’s hard to draw a clear line between East and West. Personally, I see myself wherever my work resonates — wherever it is seen, understood, and appreciated.
M: Rio de Janeiro is often described as a place shaped by violence — a kind of “war state of mind.” While I don’t want to compare that to the full-scale war in Ukraine, I’d love to hear how you perceive the world today, and how the war has changed your daily life?
Y: That’s a hard question. War strips away your basic sense of safety, and with it, the future — the ability to plan. What changed the most for me? Mental health. It’s no longer a constant. We’re all just trying to hold on.
The collapse of international law feels terrifying. Justice no longer feels universal. At some point, just being able to plan two weeks ahead felt like a win. Now, I make plans for exhibitions a year in advance — and while that feels optimistic, it also feels a little delusional.
Sure, I could leave. But I have family, friends, and love here. Both options — staying and leaving — are painful. I don’t envy those who left. I just feel sad. I miss my friends, and distance slowly erodes relationships.
M: How has the war changed your life and your art?
Y: During the first month of the invasion, I couldn’t work at all. It felt like the future had disappeared, and with it, the motivation to create. True art comes from curiosity — not fear.
Still, I tried to find new imagery to describe emotions we had never felt before. For example, the emotional split between physical safety abroad and mental presence back home, worrying about loved ones under shelling or blackouts. Or the grief of not being able to honor all the fallen soldiers and civilians — especially those in occupied areas. That’s what my series “War Flowers” and “Lifetrees” are about.
In May 2024, I presented a solo project called “Minesweepering”. Life has started to feel like a game of Minesweeper — except no one knows the rules. You rely only on instinct and chance. And when someone makes a mistake, everyone is quick to judge — even though no one knows what’s “right.”
M: I read about your residency in Finland, where you said, “My main goals were safety, good conditions for creativity, and mental recovery in a calm environment.” Could you tell me more about that experience? I also saw your deeply moving work during your residency at Narodnyi Dim in Przemyśl, Poland.
Y: That was an emotional interview indeed. I applied for Finnish residency during a period of frequent shellings and blackouts. I couldn’t work anymore. It wasn’t until I was on the train from Helsinki to Tampere that I realized just how stressed I had been. Everyone around me was smiling, relaxed — that’s how life is supposed to be. Numbness isn’t normal.
As I mentioned before, creativity thrives in safe, curious spaces — not in fear. The residency gave me both physical and financial security. I had a large studio, time to reflect, and space to work. Looking back, I was extremely productive. I worked on Finnish landscapes, Lifetrees, and War Flowers for over two months.
In Przemyśl’s Narodnyi Dim, I truly felt at home — which I didn’t expect. Residents came from all over Ukraine and beyond. Together, we explored the idea of “Home” and created a group performance and exhibition. I donated three large works to Narodnyi: “Shelter”, “Place of Peace”, and “Behind Two Walls”. In February 2023, we had a final festival with selected residents, where I presented a very personal series on depression. It was a difficult process, but also healing.
These residencies give you the time and space to truly focus — especially important for women artists, who are so often burdened with extra responsibilities at home.
M: What are you working on now?
Y: Right now, I’m deeply interested in combining different media within painting. Last year, I started incorporating textiles into my work. The topics come from everyday life — from the things that disturb me, the unconscious scenarios we all take part in. I try to find a central symbol, parable, or myth that helps me understand those feelings.
One current work addresses what I call the “grief competition” — the idea that even suffering becomes a comparison. In Ukraine, everyone is struggling, even if it’s not visible. And when you finally open up and share something vulnerable, you often hear: “That’s nothing — I (a relative , friend or someone you don’t even know) have it much worse.” Instead of support, it becomes a silent contest of pain.