Procurar os habitantes do papel e da parede.
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O poema
estendi, à janela, a canga branca de viscose de algodão.
no início, era apenas para que secasse.
depois, foi também uma forma de separar-me o quarto e o íntimo
dos homens da obra.
entretanto agora, momento em que meu corpo repulsa e reprime,
acolhe e encolhe,
desfaz e se une,
e o coração mostra os dentes entre as minhas costelas (e a carne dá risadinhas),
ao mesmo tempo que minhas costas abraçam-lhe,
a calma branca do dia,
o branco tecido da canga
dizem afinal outra coisa.
.
(a paz não é sem ruídos.
e é feita de muitas dores,
músculos tensos,
que em ápice de tensão por fim libertam.)
.
o tecido branco acalma a carne,
é o remédio do corpo vivo,
se é que existe outro tipo de corpo
então pensei:
morar é ter uma quantidade de panos acumulados,
cada um para curar um distúrbio.
.
a trama branca, tão juntinha que quase não se dá a ver,
tem um texto, um rosto,
e me diz sem encostar no meu tecido,
me diz pela memória do meu corpo no branco,
me diz algo que não te posso contar.
29 de abril de 2023