“Tuyabaé Cuaá”, que em tupi significa “A sabedoria dos antigos pajés”, é o primeiro álbum do músico e dramaturgo paraense Walter Freitas e, com certeza, uma das experiências mais radicais da canção brasileira. Uma obra rara que através da união de música e literatura nos transporta para o universo amazônico, narrando suas histórias e paisagens com a variedade de ritmos e dialetos que as compõe. Um trabalho impecável e surpreendente à cada escuta, desde os arranjos à interpretação vocal do autor, que contou com a parceria dos poetas João Gomes e Antonio Moura em algumas composições.
Gravado em 1987 e lançado em 1988 pelo selo Outros Brasis, este álbum foi fruto de um longo tempo de estudos e experimentações em busca de uma linguagem genuína. A trajetória de Walter como ator e escritor foi determinante nesse sentido, fazendo desse disco uma espécie de poesia cantada ao recriar a oralidade cabocla da região, algo semelhante ao que Guimarães Rosa fez em “Grande Sertão: Veredas”. Mas, apesar desta também ser uma grande influência, em “Tuyabaé Cuaá” a principal referência literária foi o conterrâneo Dalcídio Jurandir, autor de um conjunto de 10 romances conhecidos como Ciclo do Extremo Norte.
Usando de neologismos, metáforas e aliterações, as letras exploram a linguagem em diálogo com melodias inusitadas e compassos irregulares. A mistura de influências é uma das principais características do álbum, o que fica evidente na segunda faixa, “Tiã, Tiã, Tiã”, em que Walter louva a brasilidade cantando primeiro em espanhol e depois misturando palavras de diferentes culturas que ali se encontram.
Devido a peculiaridade das composições, no encarte original do LP as letras estão acompanhadas de um glossário e uma apresentação geral que explica o uso de acentos específicos, o que ressalta ainda mais a natureza híbrida desta obra. Em 1998 o álbum foi relançado em CD e em 2024 ganhou uma nova edição em vinil pelo selo Discosaoleo, mesmo ano em que Walter Freitas lançou seu segundo álbum “car’naúba, a’e t’o-gûatá”.
Além dos trabalhos musicais, Freitas se dedica principalmente ao teatro, realizando várias peças como ator, diretor e roteirista. Também escreveu e musicou duas óperas, “DeZmemórias” em 1998, sobre o assassinato de Chico Mendes, e “Hànêreá, Lendas Amazônicas”, em 2002. Em 2012 publicou o romance “Kararaô”, experimentando em prosa a mesma linguagem versificada anteriormente nas canções.
01 – Hei Sapecuim (W. Freitas – Antonio Moura)
02 – Tiã, Tiã, Tiã (W. Freitas – João Gomes)
03 – Fruta Rachada (W. Freitas – João Gomes)
04 – Salvaterra (Walter Freitas)
05 – Janataíra (Walter Freitas)
06 – Pixãim (W. Freitas – João Gomes)
07 – Igaçaba (W. Freitas – João Gomes)
08 – Oração da Cabra Preta (Walter Freitas)
Abaixo, as duas primeiras músicas no encarte original do LP:
