Começou quando saía para o colégio, a mãe se despediu com uma dessas tantas expressões de mães: “vai pela sombra”. Incitado pelo desespero do escaldante sol de janeiro no Centro da cidade do Rio de Janeiro, levou ao pé da letra os dizeres e passou a procurar a calçada mais sombreada para fazer aquele caminho. Assim, evitaria chegar suado na aula, acompanhado do odor tão injusto para meninos de 12 anos e com a blusa amarelada debaixo dos braços. Já bastava ser motivo de chacota por conta do seu bigode que passava a nascer sem tomar forma. Primeiro, as árvores o ajudavam, em seguida eram muros, depois casas, até um poste que o acobertava sob medida na espera do sinal.
A volta era mais amena, mas aquilo foi deixando de ser um instinto para virar um jogo. Tratava-se de observar as tantas variáveis: a inclinação do Sol, o andar de pessoas à sua frente, novas rotas possivelmente mais sombreadas. Se fosse um campeonato, sairia à frente não só por ser o inventor do jogo, mas por sua habilidade nata. Sim, ganharia o título certamente. Porém, mais fácil do que isso, era ser o único competidor e não compartilhar esse jogo secreto com ninguém. Assim, em sua imaginação, já era o vencedor, ainda que jogasse sozinho, não se frustrando como em outras brincadeiras com os colegas.
Então, todo dia de verão, aquele jogo se tornou mais divertido do que qualquer aula. Chegava atrasado na aula, mas provaria que não era do tipo que precisava prestar muita atenção para ir bem nas matérias. Iria pela sombra aí também, eles perceberiam nas provas. Na aula, quando o professor perguntava algo da matéria para a turma, preferia ficar calado, não levantava a mão mesmo sabendo as respostas.
Na hora do recreio, iria propor a sua amada Soninha que brincassem de procurar sombras juntos pelo pátio. Acharia um jogo estranho? Finalmente criou coragem e foi propor: “vamos!”, respondeu ela animada. Seu coração acelerou, imaginou toda uma vida dos dois numa casa de praia na rede com sombra. Passaram a brincar, e em dois minutos ela logo se distraiu e “foi queimada pelo Sol, ah, perdeu”. “Ai, não acredito. A gente pode brincar agora de só pisar no chão verde? ”. Quando percebeu que só teria parte verde no Sol, hesitou e quase aceitou por tamanho afeto a colega, mas salvo pelo sinal, voltaram à sala.
Ao chegar em casa, ligou o computador e resolveu que apagaria todas as fotos da rede social. Releu suas antigas publicações, como lhe soavam estranhas e bobas. Resolveu ficar mais pelas sombras ali também, seria sua chance de falar mais o que pensa, o que sente, de se aproximar da colega que gostava. Por pensar cinco vezes, acabou não postando nada e não mandando mensagem para ninguém. Nada é tão bom que passe pelo crivo do pensamento cinco vezes.
Ficou no computador, até que seus pais o forçaram a desligar e a acompanhá-los à rua no Carnaval em seu novo bairro. Não entendia o porquê de tanta aglomeração e da vontade de sentir aquele calor. Mas o fato é que às vezes não adianta ir contra a ordem dos pais. Andou pela sombra até onde pôde, os pais colocaram mesa e cadeira na rua, o menino logo correu para a tenda com sombra que avistou. Ficou lá por dez minutos até que um menino de sua idade o convidou para completar o time. Primeiro, negou. Não sabia explicar, mas algo empurrava-o em direção àquele outro jogo. Resolveu que era hora de perder aquela brincadeira, de ser “queimado pelo sol”, e de começar uma outra. Arthur alcançou o colega que havia feito o convite e foi apresentado aos demais do grupo. Ficou encarando a tenda que deixou para trás e o chão, resmungando para si mesmo, desejando fervorosamente que aquilo fosse uma boa ideia.