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Nos Enquantos do Defeso

março, 2024

Cotidiano das familias de pescadores durante o periodo do defeso da tainha, de agosto a outubro de 2023. Praia da Baleia, Pitoria, Iguaba e Siqueira, todas pertencentes a Laguna de Araruama.Projeto final EFP da Maré.

Fábio Gomes é fotógrafo, formado pela Escola de Fotografia Popular do Imagens do Povo, na Maré, Rio de Janeiro, e é integrante do acervo mantido pela mesma instituição. Nascido no Rio de Janeiro e criado em Sāo Pedro da Aldeia, tem um olhar especial para rituais, festas populares, além do interesse nos grupos zeladores dos saberes tradicionais. 

São Pedro da Aldeia é uma cidade da Região dos Lagos do Rio de Janeiro com em torno de 100 mil habitantes. A pesca artesanal é uma das principais atividades econômicas da região. São Pedro é uma das 6 cidades que circundam a Laguna de Araruama, um corpo de água diferente de uma lagoa por manter ligação com o mar. A água ali é mais salgada que no mar e a laguna é 100 vezes maior que a Lagoa Rodrigo de Freitas, sendo o maior corpo de água desse tipo do mundo. 

Segundo Fabio: “A motivação inicial para este trabalho sempre foi mais emocional pelo local, pela minha infância, e pela admiração por esse modo de vida. Não tenho pescadores na minha família, nem sou, mas considero todos os que vivem perto daquelas águas como membros de um grande “cardume” e vejo na figura do pescador a essência daquele territorio. Além disso, as cidades dessa região são bastante conhecidas pelo seu apelo turístico, atraem muita gente no verão, e uma das consequências é a alta especulação imobiliária em áreas próximas à laguna. Isto não é de hoje, já acabou com muitas salinas e me incomoda à medida que a paisagem natural desaparece e os impactos, seja na gentrificação ou na poluição, quem sente são os nativos.”

As fotos de Fábio retratam a atividade de uma comunidade pesqueira nessa região onde ele foi criado em um período curioso: o defeso da tainha na Laguna de Araruama. Durante esse período, não se pode pescar a tainha, nem qualquer outra espécie de peixes, apenas crustáceos são permitidos. Essa interdição é regulamentada para garantir a reposição dos cardumes de forma sustentável e o ganho de peso das espécies, garantindo a conservação dos recursos naturais. Dessa forma, a pesca é retratada não pela sua realização, mas pela sua espera. Esse período de espera é preenchido por diversas atividades importantes, mas talvez não tão visíveis, como a manutenção dos barcos e das redes, a realização de melhorias estruturais nas colônias e de treinamentos diversos, como manutenção de embarcações, segurança e conscientização ambiental. As fotos retratam a importância dessa espera, e as atividades de preparação para a pesca, que também fazem parte da atividade, tanto quanto a pesca em si. 

Os registros foram feitos ao longo de 3 meses, de agosto a outubro, tempo que dura o defeso. Nesse período, Fabio visitou diversas vilas de pescadores, conversando com os pescadores que estavam mais tempo em terra por conta da interrupção da pesca. 

O trabalho de Fábio se baseia no conceito “Bem-querer”, estilo de fotografia documental criado por Joāo Ripper,um dos idealizadores do acervo Imagens do Povo e da Escola de Fotografia Popular, na Maré, Rio de Janeiro. A didática do Bem-querer tem como premissa a ética o respeito pelos sujeitos fotografados, é centrada no afeto e vem produzir novas narrativas, que quebram estereótipos e “histórias únicas”, limitadoras, no conceito discutido pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie. Neste processo, a mesma filosofia é base para a fotografia popular, que entende os fotografados como parceiros na maneira que serão contadas suas histórias, sendo portanto, participantes do processo e da edição. Surge assim a ideia de fotografia compartilhada, que quebra com o paradigma de distanciamento e “captura” simples da imagem, sem retorno para o fotografado.

Segundo o fotógrafo:  “Neste trabalho opto, portanto, por falar sobre histórias de quem não aparece tanto na publicidade do turismo e têm uma vida inteira ali, numa relação mais orgânica, genuína com aquele território. Pessoas que transmitem o conhecimento da pesca artesanal já praticada pelos povos Tupinambás há séculos e que dependem dos recursos  naturais dali em equilíbrio pra poder seguir a vida.”

Chico prepara o curral para a pesca de gancho do camarão, uma técnica artesanal, que é permitida nessa época. Praia de São Pedro, São Pedro da Aldeia

Pescador também tem um pouco de marceneiro. Tetéu no momento em que confecciona o remo para uma embarcação em construção. Praia da Baleia, São Pedro da Aldeia.
Seu Renê chega para mais uma noite de pesca de camarão, como faz há mais de 30 anos, no início do canal que liga o mar à laguna. Praia do Siqueira – Cabo Frio / RJ.
Davi e Maxsuel se divertem no deque. Praia da Baleia, São Pedro da Aldeia.

Seu Evaldo trabalha no reparo da trama, que é a colocação de uma rede mais grossa por baixo da que está rasgada, processo chamado de “encabeço”. Praia da Pitória, São Pedro da Aldeia.

Linger relaxa ao fim de um dia de trabalho na manutenção dos barcos. Praia da Pitória, São Pedro da Aldeia

 

Veja mais do trabalho de Fabio Gomes:

Site: oibafoto.com.br

Instagram: www.instagram.com/oibafoto

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