lunar
um silêncio inédito como se o gesto mesmo ditasse o som como se eu descansasse um pouco a boca (a sua mão eu coloco sobre a minha pele e passeio sem palavra) mas o poema se lança à língua primeiro enrosca meus olhos viciados tremem os lábios, eu sorrio – não falo
origami noturno
alguns trabalhos manuais me desdobram
joão cabral e ana Cristina
essa ausência tão ávida como a imagem de uma faca que tivesse só lâmina João Cabral de Melo Neto
Depois de anos lendo o mesmo poema descobri que a palavra é a faca só lâmina. Desde então me perco em cortes desvairados e decidi não largar jamais a direção da minha própria ambulância. Tentei o exílio voluntário nas vozes distintas e me sabotei; tentei o retiro dos silêncios coletivos e não soube onde me segurar. Agora jogo com o pêndulo, aqui tem palavra, aqui não tem, aqui tem romance, aqui só tem olhar. Invariavelmente fico presa onde posso aguardar a crise aguda de remorsos. O relógio não fere, a bala não fere. A faca é meio prosa e faz sombras no rosto.
primeiro de janeiro
faixa da esquerda calculo suspiros por minuto: até pensei que tivesse uma fórmula teu braço no canto, subindo e descendo a janela metade para fora de mim buscando ar de novo a extremidade oposta dois dedos passeiam pelo encosto do meu banco brancos, e há uma frase solta na contramão solta como os pulsos dançando – ar de distração que me ocupa exatamente o espaço reservado à tragédia depois de tudo, de reconfirmar: trouxe meus maiores cadeados e cada centímetro de pele febril à cura – àquela casa quase vejo as pedras na entrada a mesma mão tremendo discreta mergulha em neblina turva, some há algumas horas escuto: estamos perto chegar é longe – e nem sempre nos alcança