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4 poemas

junho, 2021

lunar

um silêncio inédito
como se o gesto mesmo ditasse o som
como se eu descansasse um pouco a boca
(a sua mão eu coloco sobre a minha pele e passeio
sem palavra)
mas o poema se lança à língua primeiro
enrosca meus olhos viciados
tremem os lábios,
eu sorrio – não falo

 

origami noturno

 alguns
 trabalhos manuais
 me desdobram

joão cabral e ana Cristina

essa ausência tão ávida
como a imagem de uma faca
que tivesse só lâmina
João Cabral de Melo Neto
Depois de anos lendo o mesmo poema descobri que a palavra é a faca só lâmina. Desde então me perco em cortes desvairados e decidi não largar jamais a direção da minha própria ambulância. Tentei o exílio voluntário nas vozes distintas e me sabotei; tentei o retiro dos silêncios coletivos e não soube onde me segurar. Agora jogo com o pêndulo, aqui tem palavra, aqui não tem, aqui tem romance, aqui só tem olhar. Invariavelmente fico presa onde posso aguardar a crise aguda de remorsos. O relógio não fere, a bala não fere. A faca é meio prosa e faz sombras no rosto. 

 

primeiro de janeiro

faixa da esquerda
 calculo suspiros por minuto:
 até pensei que tivesse uma fórmula
 teu braço no canto, subindo e descendo a janela
 metade para fora de mim buscando ar
 de novo a extremidade oposta
 dois dedos passeiam
 pelo encosto do meu banco
 brancos, e há uma frase
 solta na contramão
 solta como os pulsos dançando – 
 ar de distração que me ocupa
 exatamente o espaço reservado à tragédia
 depois de tudo, de reconfirmar: 
 trouxe meus maiores cadeados
 e cada centímetro de pele febril à cura – àquela casa
 quase vejo as pedras na entrada
 a mesma mão 
 tremendo discreta
 mergulha em neblina turva, some
 há algumas horas escuto: estamos perto
 chegar é longe – 
 e nem sempre nos alcança

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