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Entrevista com Tatiana Blass

outubro, 2015

O fotógrafo #1, 2012.

Tatiana Blass é uma jovem artista paulista que tem, no livre trânsito das linguagens, o pilar para seus questionamentos estéticos. De uma poesia singular, a artista traz a materialização da ausência como forma de revelar um outro espaço que não o construído inicialmente. Com isto, trata de questões como tempo, espaço e forma. Nesta entrevista, concedida na ocasião de uma pesquisa acadêmica, a artista nos conta um pouco de sua trajetória e seus processos artísticos.


 

Deisi Margarida: Tatiana, nos conte um pouco de sua história, desde sua infância até hoje.

TATIANA BLASS: Nem consigo dizer quando que me interessei por arte, porque sempre brinquei muito de pintar, de fazer colagem, experimentos e coleções… Desde criança gastava todo o meu dinheiro na papelaria comprando tinta. Eu até dizia que quando crescesse queria trabalhar de vendedora na papelaria. Eu sempre fui muito a exposições e bienais, meus pais e avós sempre foram, mesmo sem serem da área. Sempre estive muito perto disso!

Desde pequena fiz cursos de arte, sempre como algo natural, sem nem imaginar que seria artista profissionalmente. Até quando tive que decidir o que estudar, pensei em fazer algo ligado a arte (arquitetura, designer, etc), mas nunca achei que, de fato, daria para viver da profissão. Quando entrei na faculdade de Artes Plásticas na UNESP, logo no primeiro ano já trabalhei na Bienal como monitora.

Eu sempre tive uma relação muito forte com a escrita. Desde adolescente, escrevia muitas poesias e também dançava. Quando eu tinha 7 anos, odiava educação física na escola e minha mãe decidiu me colocar numa aula de expressão corporal, onde desenvolvi muito a noção rítmica. Tem uma história real que aconteceu comigo: eu estava bem no período de alfabetização e, por isso, ainda dividia as palavras de forma errada e, quando a professora começou a usar o tambor e a marcação do tempo, trabalhando ritmo e espaço, comecei a separar corretamente as palavras. Tive todo o meu crescimento, dos 7 aos 24 anos, nesta aula 2 vezes por semana. Não era uma dança de passos, era só improvisação. Eu também sempre fui a muitos espetáculos de dança, muito mais do que a de teatro. Acho que a coisa que mais me tocava era ir a um espetáculo bom! Eu sempre tive um interesse muito amplo sobre todas as artes.

Deisi Margarida: E hoje, sendo uma artista atuante na arte contemporânea, você ainda encontra dificuldade em estar no mercado? Como é o mercado de arte para você e como isto interfere na sua produção?

TATIANA BLASS: São várias coisas. Primeiro, quando tive que escolher qual faculdade fazer, eu não pensava em fazer Artes Plásticas, porque eu já fazia os cursos livres e acreditava que não precisaria de uma faculdade para ser artista. Eu pensava em algo mais teórico, talvez história da arte, mas a minha vida inteira ouvi falar que não era possível se viver de arte, só que o cenário mudou muito! O mercado cresceu e não só o mercado, o meio inteiro (galerias, colecionadores, museus, exposições)… Isto foi um movimento que eu não imaginei, tanto que me formei para ser professora, fiz licenciatura e trabalhei durante 4 anos em acervo. No momento em que eu estava em galerias no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em São Paulo é que pude ver que dava para viver de arte e, aos poucos, fui vivendo somente disso. Mas é uma coisa muito instável, é um negócio que você sempre acha que daqui a um mês não vai dar mais. Poder realizar os seus projetos é a coisa mais importante que tem. Faz parte do meu processo investir muito no meu trabalho, e como tenho obras que são muito “invendáveis”, que se autodestroem, é com a pintura, que é um pouco mais simples, que consigo vivenciar o mercado.

A galeria sempre foi uma parceira importante, neste sentido, para conseguir realizar estes projetos que são caros. E, muitas vezes, quando são exposições institucionais, a verba é muito pequena, então, preciso da verba da galeria para que consiga realizar. É claro que existe uma pressão forte do mercado, mas como eu gosto muito do trabalho, não chega a ser algo que me oprima, pelo contrário, me estimula a estar fazendo. Acho que a coisa complicada é que tudo o que você faz acaba se tornando um ato público. Então, às vezes, existem coisas que ainda estão em processo, em formação, e elas já estão sendo vista, e aí eu penso: “ – Puxa, não podia ter exposto aqui!”

Piano surdo, 2010
Piano Surdo, 2010.
Fim de partida, 2011
Fim de Partida, 2011.

Deisi Margarida: Você produziu como artista, mesmo na época em que dividia seu tempo com outros trabalhos paralelos?

TATIANA BLASS: Sempre! Eu tive um quarto em casa que servia como um ateliê. Desde o começo da faculdade, eu comecei a expor e participar de salões em espaços independentes, já desenvolvendo meu trabalho. Sempre tive uma vida dupla.

Deisi Margarida: Este movimento mais independente foi crucial para a persistência de seu trabalho?

TATIANA BLASS: Sim. Existiam os movimentos independentes, mas haviam os institucionais, como o Centro Cultural São Paulo, Palácio das Artes e vários salões… Você faz porque está envolvido, querendo realizar. Acho que, mais importante que minha formação acadêmica formal, foi o grupo de amigos e artistas que encontrei nesta época. Nos encontrávamos no terreiro Paulo Monteiro e a cada 1 mês levávamos nossos trabalhos e mostrávamos para um artista que a gente gostava, um crítico… Nós ouvimos um monte!!! A gente criava a nossa forma de fazer nossa própria formação, de estar atuante. E tinha uma galeria na Santa Cecília que era independente, gerenciada pelos próprios artistas, que se chamava “10,20 por 3,60” que foi um espaço bem fértil aqui em São Paulo. Em 2003 fiz uma exposição de quadros que foi muito importante, pois estava no início da minha carreira.

Deisi Margarida: Qual é o papel da arte para você?

TATIANA BLASS: É uma pergunta bem difícil! Eu vejo meu trabalho como uma profissão, eu não me acho uma pessoa especial, não acho que tenho ideias melhores que ninguém. Eu consigo formalizar ideias em objetos reais no mundo, mas acho que, na verdade, sou uma trabalhadora. Às vezes, sinto que existe uma ideia um pouco romântica do artista como uma espécie de “antena do mundo”, não acredito nisso! Eu acho que você faz um trabalho e procura o fazer da melhor forma possível. Também tem essa relação do trabalho com o dinheiro que na arte parece que é uma coisa proibida, um negócio meio feio. É um trabalho que, muitas vezes, você não sabe bem ao certo explicar de onde vieram as coisas, mas o meu trabalho se desenvolve por ele mesmo, como no caso da cera que vi como uma possibilidade interessante. Um trabalho vem muito de outro trabalho. Acho que a arte tem a mesma “função” da poesia que é criar subjetividades e a única maneira de você ainda ser original é apostando na sua subjetividade. Principalmente em arte contemporânea, tudo já foi feito! É quase impossível fazer arte.

O “Zona Morta” (2007) foi um trabalho que surgiu de uma ideia solta, o que me deixa ressabiada quando uma obra surge a partir de uma ideia e não tanto por um desenvolvimento da própria matéria. Pensava: “- O que vou eu querer cortar uma sala, o cara já cortou uma casa, super radical. Nos anos 60, todo mundo cortou um monte de coisas! Todo mundo já fez!” Só que eu apostei neste trabalho porque tinha a ver com o meu universo. Foi muito importante ter o feito, e quase que não o fiz. A obra tinha mais a ver com uma ideia de ver as coisas por dentro do que com espaço vazio ou cheio.

Se você se coloca frente à história da arte, você não consegue produzir, então você tem que se colocar como indivíduo e ir apostando naquilo! E às vezes dá errado também! O lugar da arte é de criar situações e objetos que ativem campos em aberto, podendo gerar imaginação, reflexão, mas pode ser que isto não aconteça e eu também acho normal que, às vezes, as pessoas não acessem as coisas ou não se interessem por elas. Tem coisas das quais eu não me interesso! As pessoas não precisam todas gostar de arte. Eu não vejo uma função tão mágica na arte! A gente produz tanto e quando uma coisa que toca verdadeiramente acontece, ela tem uma força muito grande… mas é raro!

Zona morta, 2007
Zona Morta, 2007 (Foto: Everton Ballardin).
Luz que cega, 2011
Luz que cega, 2011 (Foto: Rafael Adorján).

Deisi Margarida: E quais são as suas referências, Tatiana?

TATIANA BLASS: Da dança, em primeiro lugar, vem a Pina Baush. Vi tudo dela que veio para o Brasil e sempre fui muito apaixonada pelo trabalho da companhia. Grupo Corpo, Anne Teresa de Keersmaeker, Bob Wilson… São tantas as referências… Bruce Nawman também são referências importantes. No Brasil tem muitos artistas importantes: Nuno Ramos, que eu tenho um contato próximo, o Tunga, Guignard, tem muita coisa…

Deisi Margarida: Qual foi o trabalho mais complexo de realizar, não apenas no sentido de execução, mas de construção?

TATIANA BLASS: Existem alguns, é difícil falar! Tem alguns que são frustrantes, que eu não mostro pra ninguém, que gastei muito dinheiro e não deu certo! (risos) E tem alguns importantes como passagem, de exemplo o “zona morta” ou, antes dele, o das patas de mármore branco, pois me trouxe um universo muito novo da figuração que não era presente. Mas o trabalho que foi mais sofrido foi um lustre que ficou pronto meia hora antes da exposição porque era muito difícil de montar, ele tinha 100 lâmpadas e dava muita “dor de cabeça”, por isso que eu nunca mais fiz! O trabalho de “Electrical Room” (2013), de execução, também foi bem difícil, porque tinha o texto, e quando o texto vai pra boca do ator é um desespero. Quando aquilo vira fala, é muito estranho! E neste trabalho, eu juntei várias coisas: um texto bem literário com uma conversa bem prosaica… O mundo ficou muito mais interessante depois desta experiência! Você vai a um consultório médico e fica observando o papo da secretária, porque é interessante. Eu acho que a arte tem disso, de fazer você se interessar pelas coisas. As coisas são o que elas são, nada é muito incrível… Mas se você começa a ver e a entender a realidade como um material para a formulação de uma linguagem, então tudo fica muito mais interessante.

Penélope, 2011 - instalacao
Penélope, 2011- Instalação (Foto: Everton Ballardin).
Electra Room, 2013 foto Ron Pollard
Electra Room, 2013. (Foto: Ron Pollard).

Deisi Margarida: Como é a questão do espectador na sua obra, principalmente no caso das obras que trabalha com a ideia de finitude? O espectador exerce uma função crucial?

TATIANA BLASS: É muito estranho, porque em artes visuais, praticamente, o artista não tem muito contato com o público, então eu sempre me faço a pergunta de como deve ter sido a reação das pessoas. Eu não sei, eu não tenho contato, então não é importante. Às vezes, as pessoas fazem alguns comentários que eu falo: “- De onde veio? Como é que está chegando desta maneira?”. Às vezes tem umas leituras loucas. As pessoas falam que tudo está em aberto e não é verdade, não são todas as leituras que são possíveis para um trabalho. Às vezes eu acho que está tudo muito confuso! Na arte-educação tem muito disto, da arte servir somente para fomentar uma reflexão e, às vezes, as pessoas podem perder o que está em si, naquela história. Eu não acho que as pessoas podem falar qualquer coisa sobre a obra que esta ali.

Deisi Margarida: E quais são suas referências de literatura, de filosofia? O que você lê? O que te inspira?

TATIANA BLASS: Eu sempre gostei muito de poesia, principalmente adolescente, eu lia muita poesia. Fernando Pessoa, Cecilia Meirelles, Drumond… Na verdade sou uma má leitora! Eu tenho dificuldade de ler! Para o que quero, leio pouco, tenho dificuldade de ficar muito tempo lendo. Em 2002, logo que saí da faculdade, comecei a escrever textos para artistas, pois integrava uma revista. Escrevi também o texto da exposição de um amigo numa ocasião e, a partir daí, me chamaram para escrever outros textos. Fui escrever para o Centro Cultural São Paulo, no Maria Antônia, no qual cheguei a escrever uns 10 textos para catálogos de artistas. Tinha também um grupo da Revista Número e eu fiquei até a três. Várias pessoas que hoje são críticos foram dessa revista, só que eu me senti “um peixe fora d’água” porque eu não sou muito boa de escrever textos dissertativos e de argumentação. Eu gostava de escrever um conto a partir de uma obra… então, neste momento, eu estudei muito essa parte de teoria da arte, história da arte, cheguei a fazer matérias e tinha esse grupo, mas no momento mesmo de escrever ficava um conflito para mim, porque eu ficava lendo muitos textos sobre a morte da pintura e eu dizia: “Isso não faz sentido nenhum”. Eu me sentia muito sem saída. É claro que é importante ler tais referências, mas por um momento aquilo totalmente me podou, me cortou, eu fiquei realmente em conflito. Pensei que de alguma maneira eu tinha que seguir o que eu achava que tinha que fazer, sem me importar com tudo que foi feito, porque senão você não tem como fazer nada. Hoje em dia, não leio muito sobre teoria da arte. Da história da arte eu gosto muito, da análise das obras… enfim, eu praticamente só leio literatura.

Para o morto, 2012
Para o morto, 2012.
Voltando para casa, 2014
Voltando para casa, 2014. (Foto: Everton Ballardin).
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