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Béla Tarr e o Cinema da Indústria

outubro, 2015

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A Câmera é uma Máquina (The Camera is a Machine) por Gus Van Sant em MoMA Bela Tarr Retrospective Catalogue, 2001.

Fui influenciado pelos filmes de Béla Tarr e, após rever suas três últimas obras, Condenação, Satantango e As Harmonias de Werckmeister, eu me encontrei tentando repensar a gramática do cinema e o efeito que a indústria teve sobre ela. Assim que eu vejo. O cinema começou com um simples plano único com composições amplas, plenas e contínuas semelhantes ao teatro, a única referência que teve para poder se comercializar. Nos vinte primeiros anos, houve um novo vocabulário. O close-up, a montagem, as narrativas paralelas fragmentaram a continuidade das imagens estáticas, inteiras e de tela cheia. Fragmentos então separados foram montados para criar significado. O diretor podia jogar com o tempo e o espaço cinematográfico. Foi emocionante. Mas será esta a direção absoluta e inevitável ou apenas um caminho que o cinema resolveu trilhar?

Eu acredito que tais inovações cinematográficas foram complementares à industria e criaram um Vocabulário Industrial. O diretor conseguia te dizer como pensar as cenas a partir do modo que jogava com as diferentes peças. Ele podia controlar os personagens, ele podia controlar o tempo e a narrativa, ele podia controlar você.

As coisas eram modernas, mais fáceis, como uma máquina de lavar que agora limpa as roupas no seu lugar. O cinema moderno foi uma invenção que pensaria no seu lugar, você não precisava mais, como no teatro.

O Cinema da Indústria progrediu em mega-indústria e mega-cinema, mas será que se manteve exatamente o mesmo? O vocabulário do cinema de um programa de televisão atual como Ally McBeal é, de fato, igual ao de O Nascimento de uma Nação (1915). Não é nenhuma surpresa que Cidadão Kane seja considerado o maior filme de todos os tempos, um filme sobre vender a si próprio correnteza abaixo, ao lado de bronze, madeira e carvão; e ao mesmo tempo sentir saudades de uma era Vitoriana perdida, assim como nostalgia do vocabulário original do cinema, uma Rosebud, deixada para trás em outro século.

A obra de Béla Tarr parece ser um deslocamento bem sucedido e verdadeiro, um cinema completamente outro começando mais uma vez. Um cinema que precisava surgir de fora de nossa cultura ocidental, uma Rosebud perdida, uma das várias direções possíveis que o cinema poderia ter seguido antes de termos nos vendido correnteza abaixo.

As criações de Béla Tarr utilizam paisagens estáticas de figura-cheia, como se fizessem referência à chegada do trem na estação do século XIX, que forçou o público em pé na galeria a sair correndo em busca da saída, para assim evitar o impacto do trem. De alguma forma, Béla Tarr conseguiu voltar fisicamente até lá e aprender tudo de novo, como se o cinema moderno não tivesse acontecido. Uma multidão furiosa faz um protesto na rua e queima um hospital em As Harmonias de Werckmeister, um plano que dura cerca de cinco minutos. Quando perguntado, após uma exibição do filme, o porquê de ter sido tão longa a duração desse plano, Béla Tarr respondeu “porque foi um longo caminho.” A pergunta foi sincera: por que um público alimentado com cinema pós-industrial e moderno sentaria para ver uma multidão furiosa durante tanto tempo, quando costumam ver planos que duram apenas alguns segundos? Mesmo um plano de dez ou quinze segundo seria demorado demais. Mas a resposta, ainda que engraçada, também é sincera. Foi um caminho longo o suficiente, e mostrá-lo por cinco minutos afeta o modo que pensamos o evento, a multidão, a manifestação e o hospital. Não abreviar ou recortar, como no Vocabulário Industrial, mas deixar acontecer de forma lírica e poética, abrindo espaço para nossos pensamentos. Em vez de dizer algo como a multidão caminhou; na verdade se diz que a multidão caminhou, gesticulou, empunhou as tochas, caminhou com passos sincronizados e dessincronizados, avançou, recuou e, quando todos chegaram, havia sido um longo caminho.

Hitchcock disse, em resposta a uma pergunta de François Truffaut, que grandes mudanças formais no cinema aconteceriam através dos personagens. Talvez. Mas aqui há uma grande mudança a partir das ideias.

Os filmes de Béla Tarr são orgânicos e contemplativos em suas intenções em vez de limitados contemporaneamente. Eles se encontram contemplando a vida de uma forma praticamente impossível em qualquer filme moderno comum. Eles se encontram muito mais próximos dos ritmos reais da vida que é como assistir ao nascimento de um novo cinema. Ele é um dos poucos cineastas autenticamente visionários.

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