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geração mimeógrafo e poetas de centro cultural

dezembro, 2013

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há uma figura bem conhecida dos frequentadores de cinemas, museus e centros culturais: os poetas que oferecem suas zines pelo preço que você mesmo sugere. “poesia, jovem?”, “quer poesia?” ou, a minha preferida, “você gosta de poesia?”, são algumas das frases que esses jovens (às vezes nem tão jovens assim) usam para se aproximar dos transeuntes.

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a geração mimeógrafo recebeu este nome por editar seus livros através desse instrumento (uma alternativa à criação/circulação/divulgação da obra).  o movimento surge no início da década de 70: com a ditadura instaurada, a censura em seu auge e as editoras avessas à publicação, esse método foi uma forma de escape, um outro modo de se editar e divulgar poesia. é claro que outras vertentes também eram marginalizadas, principalmente no que se refere à publicação – mas a primeira que surgiu com uma alternativa de fácil acesso foi a geração mimeógrafo.

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as vanguardas da época poderiam ser situadas entre duas práticas poéticas: o formalismo, que teve sua defesa mais rigorosa com a poesia concreta, e a poesia social, que procurava fazer da palavra poética um instrumento da luta social.  não se trata, claro, de polarização ideológica, se trata de poesia: enquanto o formalismo tinha uma preocupação estética maior, os poetas engajados estavam preocupados com a comunicação imediata (a mensagem/conteúdo acima de tudo). a poesia partidária tinha uma urgência de conteúdo que simplesmente ignorava a dimensão formal – numa ortodoxia ideológica que empobrecia a poética. muito além disso: o poema social se preocupava com a informação (e se ela chegaria às massas) – e só. nesse sentido, a poesia passava para segundo (às vezes terceiro, quarto) plano para dar lugar a uma, digamos, necessidade revolucionária. o objetivo fracassou e a poesia social teve pouco alcance.

o concretismo e suas contraposições (poema/processo e poesia práxis), mesmo em gradações diferentes e a despeito da diversidade de idéias acerca do que é poesia, se importavam com a forma do poema.  muitas vezes, também, os poetas dessas vanguardas se engajavam em lutas sociais através da prática poética – mas sempre com uma preocupação estética.

nesses grupos, a forma sempre aparecia como um dos eixos centrais da poesia. o concretismo e sua rigidez no fazer poético não permitia outra coisa. assim como o poema/processo que alcança nas artes visuais um aporte grande – inclusive, chegando a estender o conceito de poesia para além das palavras. a poesia práxis talvez seja o encontro do formalismo e a poesia social – e suas preocupações.

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existiam ainda os poetas que participaram do modernismo e da chamada geração de 45 – muitos ainda vivos e escrevendo. apareciam como ícones já consagrados, quase seres inalcançáveis.  havia, portanto, uma grande separação entre os poetas canônicos e as outras correntes.

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a poesia da geração mimeógrafo nasce nesse contexto como uma espécie de “negação da negação” – se pudermos pensar nesses termos: o desbunde em relação à vida, a ironia das sacadas e os versos rápidos e de fácil acesso foram a tônica da época – contra a exigência política e moral e a rigidez do formalismo. contudo, se por um lado há essa diferença, todas essas correntes poéticas propõem uma comunicação acessível – seja por seu anseio gráfico, por precisar ser ouvida pelo povo ou por usar uma linguagem cotidiana.

a forma de divulgação poética era a feitura de livros e zines, utilizando o mimeógrafo.  depois de prontos, os poetas saíam pelas ruas da cidade atrás de quem os lesse. para os poetas dessa geração, os canônicos faziam poesia distante do cotidiano, e tratavam o poema como uma espécie de objeto sagrado – e, por isso, a dessacralização da poesia, que acompanhou a linguagem da geração mimeógrafo.  em suma, talvez se possa dizer que enquanto os canônicos buscavam a sacralização do cotidiano através da poesia (Drummond, Bandeira, João Cabral), a geração mimeógrafo tratava de dessacralizar a poesia através do cotidiano (e de suas linguagens próprias).

esses poetas da mimeógrafo (com suas diversas e heterogêneas vozes internas) trouxeram uma brusca composição entre a poética rápida e irônica de Oswald de Andrade e a idéia de experimentação/experienciação da Geração Beat. na verdade, as influências se estenderam, principalmente, à música (talvez o motor artístico principal da época). o que mostrava já o desinteresse poético próprio da geração. por um lado um desinteresse que permitia uma nova forma de criar. por outro um desinteresse que se alienava dos discursos poéticos e acabava por ter uma visão superficial em torno das várias correntes. isto gerava uma força criadora e um tipo novo do fazer poético – e que acabou, inclusive, numa discussão entre os críticos que avaliavam a poesia de uma forma mais tradicional.

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já multifacetada pela heterogeneidade de vozes, a geração mimeográfo representa a liminaridade do momento: ao mesmo tempo pode ser considerada a última vanguarda brasileira e também um grupo que anuncia um novo caminho entre as/os poetas. um caminho que, durante as décadas de 1980 e 1990, foi pautado pela individualização, com uma grande aversão, por parte desses poetas, de se unirem a grupos que tivessem um mesmo projeto artístico. até os anos 2000 isso foi sentido. agora, vemos muitos coletivos artísticos se reorganizando – já com outras propostas, outras formas de organização e novos anseios, mas ainda sem uma proposta estética conjunta.  os novos grupos que surgem agregam a diversidade de vozes em torno de projetos comuns.

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a partir dessa conquista da rua pela mimeógrafo, novas gerações de poetas surgiram e deram continuidade à divulgação de poesia em espaços públicos.  nessa tentativa de, literalmente, viver de poesia – uma das maiores utopias de todos poetas. isso, pragmaticamente, significa vender.  os poetas de centro cultural se tornaram figuras carimbadas: eles sempre estão lá. alguns aliam o trabalho gráfico – que muitas vezes é bonito e bem feito – à poesia.

há grande diversidade de vozes e certa democracia no espaço (qualquer um pode fazer sua zine e esperar em frente a algum centro cultural ou cinema). a escolha dos lugares também não é ao acaso. mas é interessante perceber que, enquanto a geração mimeógrafo ia para praias, bares, etc. esses poetas poucas vezes são vistos vendendo nesses lugares, ainda que eles estejam lá algumas vezes.

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os poetas da década de 70 deixam como herança a idéia da marginalidade. muito discutível, esse termo foi cunhado para designar a mesma geração que chamo de “mimeógrafo”. sem entrar no mérito propriamente dito, é importante ressaltar que a marginalidade é uma posição em relação a algo. alguém ou alguma coisa só se torna marginal a partir do momento que está em contraste com outro grupo, instituição, pessoa, etc.  a marginalidade não é um conceito apriorístico que confere valor, quase mecanicamente, a um objeto.  a marginalidade não é descolada das situações e interações – não paira no ar alheia aos contextos e sujeitos. e, por isso mesmo, ela é bastante relativa no que diz respeito ao “ser marginal”.  é possível, claro, se colocar em uma posição de marginalidade (um parnasiano com vários modernistas, por exemplo). contudo, podemos relativizar esse status: podem existir certas situações nas quais o indivíduo é marginal e outras em que ele marginaliza.

em suma, só se é marginal ao passo que se é marginalizado.  mas o que acabou se tornando lugar-comum foi a apropriação mecânica do lema ‘seja marginal, seja herói’ – sem levar em consideração qualquer tipo de contexto.  e, em algum momento a partir disso, essa categoria se torna um fetiche poético.

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os poetas de centro cultural surgem em um contexto distinto – apesar de haver essa continuidade na forma de divulgação poética e no desbunde. agora, já existem outras formas mais rápidas e mais abrangentes de publicar poesia: a internet e a proliferação de blogues fez com que nunca tivéssemos tantos poetas. ou, pelo menos, tantos poetas que quisessem e tivessem a oportunidade de serem lidos.

outro ponto é que os poetas canônicos já não estão vivos e a maioria dos poetas de vanguarda das décadas de 1950 e 1960 não conseguiram atingir esse posto com a mesma força que àqueles. isso não significa que não tenhamos bons poetas, claro. ou que ser canônico é o caminho natural. apenas que não há, em questões de poesia, pessoas que consigam transpassar a barreira do circuito poético – diferentemente dos poetas canônicos que estavam vivos nas décadas de 50 e 60.

nas décadas de 1980, 1990 e até os anos 2000 novos poetas surgiram. esses poetas conheciam poesia, tinham contato com a linguagem e queriam pensar acerca disso. mas muitos deles têm vozes muito parecidas (apesar da idéia de individualidade e a recusa à grupos com projetos estéticos estivessem em voga). algumas vezes, parece que alguns escrevem o mesmo poema. isso não significa, novamente, que bons poetas não surgiram. sempre surgem.

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ao mesmo tempo que o desconhecimento em matéria de poesia da mimeógrafo permitiu um maior desbunde/curtição – uma maior liberdade, talvez, ao fazer poético – também foi um cárcere.  a linguagem passou a ser só a publicitária, a poesia fácil, de rápido acesso, de sacadas boas e (muitas vezes) apenas isso. depois dessa época, muitos poetas da geração desenvolveram e recriaram outras formas poéticas – daí já com um maior interesse pela poesia e as diferentes linguagens.

é importante chamar a atenção que entre os poetas da mimeógrafo existiam acadêmicos e pessoas que se interessavam em discutir esse acontecimento.

o que existe agora com os poetas de centro cultural é outro movimento: as temáticas e as formas tradicionais são, na maioria dos casos, reproduzidas. porém, sem a qualidade das primeiras. isto é, o desinteresse poético dos poetas de centros culturais não nos traz uma nova linguagem, uma nova atitude.  agora há um compromisso torpe com a poesia. é um lirismo que se encontra melhor elaborado em outros poetas (a maior parte do século passado). é a tentativa de repetição de uma poética já existente – sem nenhuma elaboração.

os poetas de centro cultural não estão a par da linguagem, conhecem poesia de uma maneira pouco profunda e não tem nem o ímpeto de procurar estabelecer um contato mais denso. ou, então, fazer com que esse desinteresse permita outra forma de linguagem. há uma mediocrização da poesia. é uma poesia de não-leitura. ou de pouca leitura.  há, na verdade, um grande clubismo – os poetas, muitas vezes, se fecham para experiências exógenas.

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há, também, uma frase corrente. e não só entre os poetas de centro cultural. “mas é a forma que eu tenho de me expressar” – como se, por conta disso, houvesse um valor intrínseco ao fato de que a pessoa está se expressando.

não se trata de censura à expressão – mas à idéia de que, apenas pelo fato de ser uma expressão, já é interessante e tem valor inerente.  como se houvesse esse tipo de categorias aprioristicas que atribuem valor à poesia antes mesmo dela existir. não há disponibilidade para a crítica.

daí vem um paradoxo: ao mesmo tempo em que se mostram, os poetas, de alguma forma, blindam suas poesias de qualquer crítica. em outras palavras: como estão sempre nas ruas, uma crítica – ou uma apreciação mínima, que seja – seria mais fácil de ser ouvida. contudo, como não há disponibilidade dos poetas para isso – e grande parte (diria toda) das críticas mais severas são simplesmente deixadas de lado com esse argumento de individualismo recrudescido.

a maior parte dos grandes poetas conhecia poesia muito bem. isso pode dar margem a uma ideia elitista/letrada. mas é exatamente o contrário: conhecer não significa o saber acadêmico, ou comprovar com diploma o conhecimento. é mais uma forma sensível de estar em contato com as diferentes líricas (e não-líricas) que já existiram. ou pelo menos estar aberto a esse contato. é ter a disponibilidade para aprender a linguagem que se diz fazer. e não é somente o saber escrito – mas oral, visual ou qualquer outra forma possível.

podemos pensar em outros exemplos: qual grande sambista não conhecia samba? ou grande cordelista que não conhecia cordel? ou ainda, algum grande cineasta que não conheça cinema?

é claro que (e isso é o mais bonito) de vez em quando surge algum prodígio que, por razões que fogem à racionalidade comum e aos anseios sociológicos, mesmo sem nenhum conhecimento aparece com uma sensibilidade inquestionável. só que esses casos são raríssimos.

ainda mais: os poetas não podem estar abertos apenas para a poesia – mas sim para qualquer experiência sensível.

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é importante dizer que esses poetas não se encontram em posições privilegiadas de poder. mas se trata de poesia – e esses poetas fazem parte do cotidiano da maioria das pessoas que freqüentam museus, cinemas, etc. e, por isso, é extremamente necessário que exista alguma reflexão sobre isso.

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no Brasil há certo pudor, nos círculos literários, ao se falar da obra alheia. tudo é dito à boca miúda e, por isso, o debate se empobrece e não caminha para uma direção interessante. são comentários escondidos e pronto. faz com que o clubismo e o personalismo brasileiro se perpetuem cada vez mais. faz a literatura brasileira virar um grande chá da tarde.

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Álvaro de Campos: “(b) Em arte: Abolição total do conceito de que cada indivíduo tem o direito ou o dever de exprimir o que sente. Só tem o direito ou o dever de exprimir o que sente, em arte, o indivíduo que sente por vários. Não confundir com “a expressão da Época”, que é buscada pelos indivíduos que nem sabem sentir por si-próprios. O que é preciso é o artista que sinta por um certo número de Outros, todos diferentes uns dos outros, uns do passado, outros do presente, outros do futuro. O artista cuja arte seja uma Síntese-Soma, e não uma Síntese-Subtracção dos outros de si, como a arte dos actuais.”

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