No fundo,
cada gesto performa uma espécie de palavra,
uma noite quente e estrelada,
o canto dos pássaros,
os carros passando na rua,
pessoas nos karaokês,
as mãos da amada no rosto,
o abraço na noite, o aconchego do colo,
o piscar – ou mesmo a falta – dos olhos…
No fundo,
cada mínimo gesto perfaz uma espécie de palavra
e esses gestos,
em suas misteriosas (mas intuíveis) ligações
formam uma linguagem com que a vida fala conosco,
uma linguagem que se vê,
ausculta,
e novamente,
já traduzida,
é devolvida em gesto.
Gestos sem sujeito ou predicado,
Gestos que os poros do corpo lêem.
Essas palavras silenciosas para qualquer um inexperiente no gesticular da Vida
Têm o poder de dizer o que a palavra, propriamente dita, é incapaz
e portanto,
cala.
Por essa espécie de linguagem subterrânea das coisas
a Vida fala.
Gestos doces e amargos,
Graves e agudos,
Sussurrados ou gritos.
Um piscar de olhos no lugar de um “eu te amo”
O brilho no olhar ao invés de “senti a sua falta”,
O abraço apertado como “quero você”.
Tudo sempre comunica algo.
A opacidade dos olhos e o desamor
O desvio do corpo e a distância das almas…
Como toda linguagem, os gestos também ligam e desligam pessoas,
mas diferente daquela, ainda quando desligam
formam um sentido.
Tácito, insuspeitado para qualquer órgão
mas inescapável à alma
cativa dessa semântica toda feita de movimentos vivos.
Assim é que o significado de um gesto jamais se poderia dicionarizar,
pois a cada momento, em cada corpo,
a gramática outra-se, altera-se,
é singularizada em frequência e ritmo.
Por isso a alma é a melhor leitora
porque só ela é capaz destas frequências,
das modulações rítmicas
(ou arrítmicas)
inscritas no mais profundo lugar do corpo
o escuro escuros, coração.
Mas um dia,
sem porquê nem para
os gestos cessam
e também essa linguagem passa a silenciar.
Diferentemente da outra,
quando a linguagem gestual cala
torna novamente a dizer,
e diz que não.
Então o negativo da Vida aparece
tão vivo quanto qualquer gesto outrora feito,
vivo no vazio pleno
na ausência de si mesmo.
E assim o nada se faz dizer,
por contrastes da memória
por devaneios da lembrança
um nada expressivamente gesto.
Talvez a antiga cosmogonia hesiódica também falasse disso,
pois que o mundo era caos e escuridão,
antecedentes arcaicos da ordem e da luz.
Porque os gestos exigem atenção
um continuado trabalho
mas também a vida cansa.
Um dia o pássaro da árvore lá fora não virá mais cantar,
um dia a rua será interditada,
um dia o frio virá,
uma hora o lápis que percorre esse papel
– também gesto –
Terminará.
Um dia seremos apenas os gestos dos outros
dos bichos que irão nos decompor
das lembranças que terão (ou não) de nós.
Um dia,
sequer seremos os gestos dos outros
e esse talvez seja o gesto mais significativo
puro Nada na liberdade de Ser