Em março de 1960, foi inaugurada a exposição “Casa Individual Pré-fabricada” no MAM-RJ. Sergio Rodrigues (1927-2014), através do seu escritório OCA, apresentava uma proposta de casa pré-fabricada em madeira pensada para o “homem moderno”¹. A exposição produziu algum frisson momentâneo, mas que não obteve o eco esperado pelos autores e incentivadores dos objetos expostos.
O escritório OCA então já era conhecido principalmente no campo do design de móveis. Já haviam lançado diversas peças de mobiliário que se tornaram referência canônica no que classificamos hoje como design moderno brasileiro. Com uma obra explicitamente enraizada em um regionalismo marcado por referências a uma visão específica dos indígenas brasileiros, a maior parte de suas peças utilizavam principalmente a madeira. Sergio, no entanto, possui formação como arquiteto e, ao longo dos anos, experimentou projetar edificações.
A mais famosa delas seria o sistema SR2 (acrônimo do arquiteto), o qual o arquiteto, junto ao OCA², torna público nessa exposição de 1960.
O texto descritivo de projeto formulado pela equipe de arquitetura é puramente técnico. Sem fazer menção à valores subjetivos – como grande parte dos textos de arquitetura da época faziam³ – o texto apresenta com detalhes como é a construção do sistema SR2, tornando possível, inclusive, a construção das casas tomando como base apenas o texto. É uma síntese por escrito do projeto.
Casa pré-fabricada e individual
Sergio Rodrigues e arquitetos
A estrutura da casa é toda modulada na base de placas de madeira compensada à prova d’água. As dimensões das placas são de 1,22m x 2,50m, com seus múltiplos e submúltiplos. A estrutura é de peroba maciça, mas de acordo com as bitolas vigentes na praça, quer dizer, de 3 polegadas (0,075m) e múltiplos e sub-múltiplos. Se a aceitação pública for de ordem a levar os arquitetos projetadores a empreender a produção em larga escala desses modelos em madeira, isso os obrigará a, após a fase experimental, entrar em verdadeiro processo de industrialização. E, para começar, modificarão o módulo típico das peças maciças de 3 para 2 polegadas (0,05m), já que a resistência e a flexão das peças apresentarão as mesmas propriedades das bitolas atuais do mercado (3 polegadas), com a vantagem da redução de um terço na madeira e de tornar o material mais acessível e mesmo mais elegantes as estruturas.
Na presente etapa experimental, os arquitetos julgam, e com razão, não haver vantagem em adaptar, desde já, suas serrarias aos novos tipos, ainda mais se for acrescer às despesas do modelo as do trabalho de ajuste das máquinas aos protótipos reduzidos. Foram reduzidas as virtualidades da montagem a três modelos básicos que reputam suficientes para dar solução a todos os problemas e exigências. O modelo menor, de 25m2, comporta um quarto, living, cozinha, banheiro e a área coberta correspondente ao piso inferior. A área do modelo médio é de 47m2, com 2 quartos, teto shed etc., e, finalmente, o maior, de 65m2, com 3 quartos. Nos limites desses modelos, as variações quanto a soluções de detalhes e de programas, e mesmo de partidos, são muito amplas.
As vantagens da estrutura independente são visualizadas até por leigos, graças ao caráter removível das paredes, distribuição mais livres dos vãos e a uma flexibilidade maior no movimento interno dos espaços especializados. Essa liberdade na distribuição das estruturas internas e de espaços e vãos permite que as idiossincrasias ou os gostos do morador sejam atendidos. A estrutura geral é fixada ao solo por meio de esteios de 5m de altura. Para que tanta altura, se o limite de elevação do soalho acima do solo, de acordo com o princípio básico de higiene em madeira, é apenas de 0,60? Para criar uma área livre e coberta com a elevação do piso superior de madeira de 2m. Ao subir os esteios a 5m, os arquitetos ganharam um piso inferior a mais, destinado ao que se quiser: playground, parqueamento de autos, jardins, cômodos para outros fins. Em caso de cômodos, bastaria impermeabilizar os seus pisos.
As paredes externas são placas de compensado, à prova d’água, que podem ser forradas, ou não, do lado interno. Nesse caso, uma chapa de 0,01m pelo interior e afastada 0,075m dará o isolamento necessário. A firma construtora (Oca, Arquitetura, Interiores Ltda.) se propõe, onde for o caso, aumentar o índice de isolamento térmico, com uma aplicação entre as duas chapas de placa de eraklit de 0,004m de espessura. As paredes internas possuem um esqueleto de madeira maciça e chapas de compensados de 0,01m de um ou dos dois lados. Para o banheiro e cozinha, o isolamento relativamente aos outros cômodos será por placas de “fibro-cimento plano”. O cuidado de isolamento é particularmente recomendável em estruturas e separações de madeira, não só devido ao problema térmico como ao de insonorização. Para um ótimo aproveitamento de espaço, armários poderão servir também de divisão entre quartos, ou mesmo para dispensar qualquer forro de isolamento, se colocados rentes à parede a ser isolada. Neste caso, o próprio armário passará a fazer parte da casa.
Quanto ao piso, é formado de tábuas de peroba (sistema macho-fêmea), de 0,10m de largura, sendo que no banheiro ou na cozinha o revestimento (sobre o próprio soalho de madeira) será com material plástico impermeável. O teto, por sua vez, será em placas de 1m2 de feltro asfáltico Ondulit, revestido com uma lâmina de alumínio, pregadas diretamente sobre o material isolante eraklit, o qual, por sua vez, é fixado ao forro de réguas de madeira. No intuito de possibilitar melhor utilização das paredes internas, e poupá-las também das infiltrações nas janelas, preferiram os arquitetos uma iluminação natural vinda do alto, mas lateralmente, por uma espécie de faixa vazada ou frecha contínua, a separar a parte superior das paredes externas e o teto. Um prolongamento ou avanço proporcional da cobertura em relação ao espaço rasgado protege suficientemente o vazado contra o vento e a chuva. A aeração constante é suficientemente controlada. Em virtude também de as paredes funcionarem apenas como vedação, preveem e estimulam os arquitetos o capricho do morador em abrir, aqui e ali, buracos na madeira para o exterior. Em benefício da flexibilidade das combinações das partes evitou-se naturalmente o encaixe, e adotou-se o sistema de justaposição dos painéis por fixação com parafusos e porcas.
Apesar da importância da reflexão de acesso a moradia, e a evidente qualidade de projeto, o sistema SR2 nunca chegou a solucionar as questões que ele visava na época. No entanto, foram construídas mais de 200 unidades durante a década de 60, com destaque para o Iate Clube de Brasília e as mais de 70 unidades instaladas no Centro Humboldt de pesquisas no Amazonas, além de permanecer até hoje como uma referência de arquitetura pré-fabricada brasileira. Ao longo das décadas seguintes, Sergio e equipe continuaram desenvolvendo projetos utilizando o sistema, produzindo para o norte da Europa e para clientes de renda alta.
Mario Pedrosa, intelectual e crítico de arte, dialogava com os movimentos de vanguarda na década de 50 e 60 e escreveu um texto sobre a exposição. Nele, aborda pontos importantes relativos a industrialização como método de garantia de uma maior justiça habitacional em um país tão desigual socialmente, mas também como uma frente de resposta ao que esteva se produzindo e ganhando forma como arquitetura moderna brasileira. Recomendamos a leitura na íntegra do texto do Mario Pedrosa. Você consegue baixar o fac-símile com o texto integral sobre a exposição “Casa Individual Pré-fabricada” no site do Instituto Sergio Rodrigues, clicando aqui.
¹ Termo usado de forma extenuante durante essa época de elaboração do sentido de “povo brasileiro”.
² No projeto da exposição no MAM também estavam presentes Marcos de Vasconcellos, Arthur Lício Pontual e Goebel Weye.
³ Formalizando uma prática recorrente até hoje.