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Nósenãonós

2003

Publicado originalmente em "Guilherme Vaz – uma fração do infinito", curadoria Franz Manata. EXST: Rio de Janeiro, 2016. Pgs 266-67.

Guilherme Vaz e Carlos Bedurap Zoró. Sem título, 1999.

I. Qualquer objeto que não pertença à quina de um edifício feito por um arquiteto idiota é importante para a humanidade. Qualquer som que não pertença ao Grande Dragão viscoso e obscuro que se vê nas ruas inspira os ouvidos dos que respiram com alegria. Não é necessário pensar muito para que isso aconteça. Só é necessário pensar com beleza e com excelência. Isso não é uma medida de tempo. É uma medida de qualificação.

II. Não sabemos o que somos até hoje porque isso não tem a menor importância, o que nada em mares de esplendor como o Mar Vermelho sabe disso. A arte quando brilha como a pele das grávidas e arfa o ar verde não quer saber quem é. “Não pense enquanto você puxa a corda do arco” – diz o mestre arqueiro. Só pense quando com a flecha no alvo você estiver passeando como os seus amigos sob as alamedas de romãs. Como os brasileiros pensam.

III. O Rio não foi feito para pensar, o Rio foi feito para a arte. O pensamento do Rio é o pensamento criador; não é o pensamento dos ossos em revolta. Por isso os seus habitantes gostam de pensar durante e depois, mas nunca antes – essa é a essência da arte. Essa foi a prática do insuportável Bernini, do admirável Rodin, e do divino Brancusi. O pensamento inspirado é prêmio com o qual o Rio foi coroado e quem fez isso não é como o homem que pode se arrepender. Não haverá arrependimento. Parece-me que os antigos do Rio aprenderam isso com os índios do fundo da baía, especialmente nas ilhas entorno do Itaoca. Lembre-se: “Toda poesia é concreta”. Esse é o Rio. Basta de Bauhaus, basta de modernidade, basta de animais retangulares.

IV. Portanto, é preciso pensar que esta exposição não exista para a partir desta não existência poder pensá-la. Pensar em sua existência já reifica. Não é arte. Algo pode ou não flutuar no ar. Essa é a percepção do homem parado em algum lugar. Ele pode começar a caminhar. É preciso gravar a água dos mártires. Aqueles que não pensaram antes.

V. É preciso tentar não decifrar o Brasil, os tigres não se deixam observar desta maneira. O enigma não suporta o ego.

VI. O mais importante desta exposição é ela não ser do século XX, como o fundo das oficinas e corporações medievais não são. É preciso não estar presente o iluminismo desagregador. O Rio não desagrega, essa é a sua potência. Por isso os antigos atribuíram à cidade a potência de Eros.

VII. É preciso fazer com que o secular trabalhe para o sagrado. De uma nova geometria espiritual como praticada pelos índios.

VIII. Qualquer objeto que não pertença a um prédio projetado por um arquiteto desvitalizado é importante para a humanidade. Responda. Um grande abraço. Aqui não falta nada.

ΔΔΔ

 

Apresentação de Nósenãonós, vídeo-instalação realizada em parceria com o cineasta Sérgio Bernardes e exibida no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2003.

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