Gaza é uma série de fotos em que Aline Besouro, personagem e propositora, aparece vestindo um Jilbab num cenário distinto. Trata-se da Zona Portuária do Rio de Janeiro que, em processo de revitalização, tem sua geografia revista por escombros e ruínas (como a queda do elevado da perimetral). Nas duas primeiras fotos, sem qualquer referência explícita à sua localização real, Aline forja uma zona de conflito. Sua citação à Palestina se faz através de uma indumentária típica que não se exige fiel ao original, mas se constitui no imaginário ocidental como indício do oriente (o que vem a reforçar esse imaginário é o terreno baldio, demolido, imagem já cristalizada quando se conhece Gaza através das referências da TV). Seu exercício é colocar-se no meio do que foi destruído, precisamente no intervalo de tempo entre a demolição e a “revitalização”. Temos portanto, um instante fotográfico bastante específico que ao mesmo tempo confunde e manipula a memória do lugar – dos lugares. A terceira foto, como quem desvela aos poucos o processo de pesquisa, apresenta um cenário com elementos mais próximos. É possível ver parte do elevado da perimetral e, ao fundo, o Museu de Arte do Rio, uma das primeiras obras novas da região. Há, enfim, um embate entre vários aspectos: por um lado, Aline agora está desconfigurada. Faz-se uma palestina intrusa, estrangeira deste lugar que se destrói e reconstrói (a perimetral e o museu), já não pode garantir seu lugar num cenário de edificações. Por outro lado, já não engana: desconfiamos que esteja em gaza, primeiro porque há coisas demais no seu lugar, e depois porque seu Jilbab é de uma estampa entreguista. Assim vamos percebendo que não se trata apenas de uma correlação de aparência física de índices. O exercício de limpeza e coerência vai dando lugar ao híbrido das identidades, a imagem congelada vai se contaminando progressivamente, sem que por isso precisemos perder o fundo de crítica que sugere: cidades metaforicamente intercomunicantes. A Zona Portuária em disputa de domínio, em zona de conflito que encara a fabricação de sua história através de memórias politica e afetivamente construídas. Esse exercício de desdobramento escrito faz-se ínfimo diante da graça de estabelecer tais relações diante da imagem, e é apenas um esboço de disparadores possíveis de uma pesquisa artística ainda em construção.