
Mezzanine
Erguido
o último suspiro
aos anjos da colheita
que por aqui passam
quando querem catar
acerolas
Erguido
o último suspiro
aos anjos da colheita
que por aqui passam
quando querem catar
acerolas
um silêncio inédito
como se o gesto mesmo ditasse o som
como se eu descansasse um pouco a boca
(a sua mão eu coloco sobre a minha pele e passeio
sem palavra)
mas o poema se lança à língua primeiro
enrosca meus olhos viciados
tremem os lábios,
eu sorrio – não falo
Priscila Alba acaba de me lembrar desse poema, escrito em homenagem aos mortos do triste massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido há 25 anos atrás. Na ocasião, policiais militares cercaram milhares de sem-teto que realizavam um protesto em uma rodovia do Pará. Com 19 mortos, o momento é lembrado como
qualquer samba triste, a chuva no domingo
tuas mãos para as conchas
teus olhos que eu toco
– as ventanas abertas
– o chão tão gélido me alegra.
os pássaros cantam e se agitam
feito crianças pela manhã
Maritaca Bem-te-vi sabiá
cantam suas melodias esperando respostas
quando não as tem repetem uma duas três
muitas vezes até se distraírem
Estou sempre diante
da certeza de que vou ter sede.
Mas no fundo não é tão difícil
imitar um cacto e repousar
espinhosamente na paisagem da varanda
ou da sala.
o poema estica as mãos pro alto
pra alcançar as frutas no pé
como quando eu tinha dez
e minha irmã oito
Moro em um país pobre e, contudo,
não sou eu o pobre deste país.
Habito a periferia do vasto mundo,
mas não estou na periferia da periferia.
Estou à deriva por alguma margem perdida,
mas não sou eu o marginal do rumo.
aprenderei aos poucos a rezar
como você tentou me ensinar
tantas vezes
a cativar os pássaros
a não temer a gente
a andar pela rua
observando o mato
que resta entre nós
às vezes é bom ser gato.
– digo isso enquanto faço
carinho nas costelas do
meu que me mostra gentilmente
seu canino esquerdo.
coisa que eu só sei fazer
com o direito.