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Três poemas

fevereiro, 2017

ASSIM EU QUERERIA MEU ÚLTIMO POEMA

o sossego do meu pai
quando, nas manhãs de
chuva ou de sol, separa
as sementes enquanto,
sentado no rio, observa
o fluir rasteiro e redondo
das águas, a voz serena
e ruidosa da água.

a força da minha mãe
quando, nas noites de
chuva ou de sol,abraça
os filhos enquanto,
cansada na cama,sustenta
o escuro lento e povoado
da floresta, a luz fugaz
e eterna da vida.

(às vezes ela não
conseguia segurar o
choro)

***

o bruto o bruto o bruto
uma pausa do absoluto
três marias que cantam a moda
o sossego a náusea o luto
o bruto o bruto o bruto

barro que se move barro
flecha que se manda flecha
um três mil
um três mil

roupa quando tem é pouca
vida porque morre é muita

o fio o ferro a faca
dois sufocos no absoluto
um três mil
um três mil

o bruto o bruto o bruto
de repente um anacoluto
quatro pés que caminham na roda
a miséria a pátria o fruto
o bruto o bruto o bruto

***

I

ó deus, este é o caminho que ora fazemos,
às vezes assustados, derrotados pelo
acaso. rápido. precisamos ver os montes,
os claros e evidentes montes, o sol quase
ao meio dia, a força própria da vida. rápido.
ouvem-se os passos da máquina, as
coronhadas repetidas – de quem serão os
gritos? rápido: a vida dispersa, o alto do
mundo e o diabo que dança na areia. os
primeiros e últimos contatos com a terra.
sabemos um pouco do mundo e mudos
assistimos roma pegar fogo. saímos de casa
às vezes e cantamos uns breves segundos.
e o ópio, como se ópio houvesse
sempre. sabemos de nada mais além, o
retorno específico da morte, a angústia
específica da vida. sabemos nós, os
primeiros, aqueles que de repente falamos.
os homens as mulheres as crianças pequenas.
a vida que ora brota e na vontade do toque
se esvai. sabemos nós, e como não saber,
o mundo à força doutrinária do próximo,
a dor da perda quando perda é tudo o que
temos. rápido. os homens conversam entre
amigos, as mulheres gritam em multidão.
sabemos, mas não sabemos. a vida a dor
o modo específico de estar. como sempre
as premissas equivocadas, os pressupostos
assistidos, as eutanásias corriqueiras. há
o direito, há o dever e sabemos. seguimos,
ó deus, assim que houver um novo mundo.
e ser, que seja nosso, e ser, que não seja meu.

II

soube ainda ontem de mortes e hoje, se
procurasse, saberia. e os homens e as
mulheres e todos nós – o que somos?
rápido. emails chegam os celulares tocam
era sempre foi assim, os outros que surgem,
as primitivas eras atômicas nos tempos da
pré-história. há o mundo, e de repente mais
nada. as sinceridades do templo retornam
aos soldados convalidos, os tísicos que agora
já quase não existem, os tuberculosos que num
momento são curados. e os cancerígenos
que em hordas olham para os lados. a
cidade derrapada: o sincero e último arcabouço
da humanidade. que princípios são esses, portanto.
a flora seca o mato seco queima e o que se
queima agora que não pode ser queimado depois?
há o mundo, e somos nós e algo além, e o
nós quem seria assim desse jeito, seria como
o quê exatamente. há o mundo. rápido. o
trem já anda devagar, podemos correr, sair, e
à beira do abismo olhar para baixo. os céus,
aquilo que vemos, ou de repente aquilo
que já nem podemos ser. há o mundo, e saltamos.
de repente o modelo, de repente o sucesso,
de repente o carisma. não mais que de repente.
sabemos das planícies ao norte, das montanhas
ao lado, das ferramentas de guerra. entoamos
os pontos e os tambores que se escapam pelos
corpos. há o mundo, e de repente o que se
segue não é mais. a finitude quase sempre
elucidada, os primórdios disruptivos da vida.
sabemos, e de repente já não sabemos. há o
mundo, e o mundo o que somos? rápido, a vida
se coloca aqui, os presentes irritados com o
tempo, a chuva que cai cai cai. nós os bárbaros,
os selvagens, os primitivos. e já não somos nada,
os engasgados. onde não se nasce nem se finda o sol:
aqui é o fim do mundo, aqui é o fim do mundo, aqui
é o fim do mundo.

 

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