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Ferver antes de coagular

julho, 2014

Começo por baixo, é assim que sempre começo. Vou me embalando devagar, me embriagando sem cessar e de repente já vejo as coisas de cima. Cartografias sentimentais. Jaz aqui passado e futuro entrelaçados me imobilizando no momento já. Não me movo. Por muito tempo sou só pensamento. Quero nascer. Quero nascer novamente, sinto muita dor. Dor de parto. A situação é gravemente delicada ou delicadamente grave. Estou grávida de mim, grávida de renascimento.

Um mosquito pousa no meu braço e eu peço-lhe que me leve embora. Ele me ignora. Poderia ao menos beber todo o meu sangue. Eu não o interesso. Ele só quer o necessário. Eu quero me ir inteira. Que se vá então. Quero outra no meu lugar. Já sinto a vertigem, talvez ele também viesse a sentir se bebesse um gole a mais. Meu sangue não tarda a ferver, é o que tem que acontecer antes de coagular. Como preencher esse espaço vazio? Que sabor terá o teu sangue?

Escrevo pensando e isso me mata, quero não pensar, não é o momento, só quero ferver antes de… Afasto os pensamentos e os mosquitos com movimentos agitados e sincronizados das mãos. Ambos insistem. Caneta nova, boa de escrever, pode parecer de menor importância a caneta, mas não é. Esse pensamento me carrega para o próximo. Tudo que parece de menos importância e talvez não o seja. E se esse intervalo [                                                 ] for fatal. Estar imóvel é uma escolha? Só existe a errância, só os errantes existem. Somos eterno devir. Eterno retorno do diferente. Somos nômades fundadores. O sangue circula e tudo o que é vermelho pulsa aos meu olhos. Os meus olhos pulsam vermelhos. O que em você pulsa? Vermelho? As flores de plástico empoeiradas, ao menos não precisam respirar, de outra forma estariam mortas. Queria ser de plástico. A seiva bruta circula. Sangue leitoso. Fluxo- Floema. Eu costumava quebrar galhos para assistir a vida escorrer e uma vez provei dessa vida, bebi desse leite grosso. Saudade, vontade de te engolir novamente.

Me perco lhe procurando, lembro dos rostos que já vi passar, em todas as pessoas que já me atravessaram e hoje todas vestem a sua máscara num grande baile , me sinto tonta. Te ergo empilhando palavras desajeitadamente, eu bem sei. É tão delicado e frágil que te confesso que agora receio encostar. Prevejo pedaços seus espalhados e há tanta beleza nas nossas ruínas. Na segurança do chão esquecem-se as quedas. Temos que aprender a cair, como crianças novamente, temos que reaprender a cair.

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