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depois de artaud

março, 2014

“Detemos as palavras nos seus pequenos odores de trufa sem descer em seus ossários?” Artaud

estou
numa tarde
muito quente
em que pessoas
tiram a pele de palavras
e expõem seus ossos
como coisas cruas
contorcendo-as
em carne viva
enquanto me
cumprimentam
(ao cumprimentar
escondem as palavras
debaixo da língua
e emitem sons
estranhos
códigos vazios
entre bomdias
e obrigados)
pra que serve essa coisa
de língua que falam
a dos bonsdias e obrigados
não conhecem
são eles que
são conhecidos pela língua
porque do bomdia
não sabem do d ou do dia
(então como explicar
essa substância venenosa
que vomitam todos os dias?)
e agora
assombrados por esta coisa
que os conhece
não querem línguas escavadas
não querem línguas cariadas
querem dentistas da língua
profissionais que lhes tapem
os buracos ambíguos
dos seus enunciados
de noite pesadelam
com línguas que perfuram
órgãos
e palavras que engasgam
para matar sensatos
e acordam comprometidos
a aprender latim
ou qualquer língua
sem nativos
e nunca mais usar
as aspas
na esperança de fundar
significados imobilizados
com seguros de vida
pensam estar livres da maldição
mas temem que o estupro
do corpo das palavras
traumatize seus sentidos
seus certificados
suas consoantes
e seus acentos
numa grande explosão
vulcânica e sanguinária
já não se entendem
os dentistas estão loucos
a lava das palavras
lambe chão
e sulca coisas
e derrete mundo
os dentistas estão loucos
correm para tratar dos dentes
por onde elas passam
antes que apodreçam
o espírito

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