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Poemas

agosto, 2015

oitava de mahler

leões mansos que nos rodeiam em silêncio
honram o sagrado território do amor.
tudo o que passa é apenas semelhança,
é preciso urgentemente uma cirurgia no coração.
é preciso preencher estas linhas também
como pontos e grampos na pele profanada.
é o silêncio assassino dos leões mansos
aquilo que nos conforta, a natureza dupla
de um rugido de mil leões mansos enjaulados,
e todos cantam apenas o canto do amor
e da vista sem impedimentos e da impossível
trégua ou descanso, mas ilimitada é tua coragem,
enquanto bates o queixo em roupas de cama
nos cômodos infestados por um velho fardo
que também é teu fardo enquanto tremes,
digno de reverência, te bates aos pedaços,
nas ruas destemidas do anonimato, no ódio
de um mundo doente e lindo de ser o único.
quando de repente todo o turbilhão se acalma,
esqueces a coragem e as ratazanas da alma,
e, ao maculado, reservada a beleza provisória
de se estar por um instante entre os deuses

 

um momento definitivo e infantil

para ismar tirelli neto

estou agora escrevendo
no computador da minha
namorada atual, quer dizer,
não sei se seria o melhor
termo para definir a coisa,
mas o fato é que é arrepiante
estar agora escrevendo
no computador da minha
namorada atual, quer dizer,
ela prefere é claro ser a mulher
da minha vida e morte inclusive
fizemos um pouco esses pactos
que lemos nos nossos melhores
livros da infância que ao lado
dos livros que lemos já velhos
parecem os melhores livros,
mas eu dizia outra coisa,
a vida tem disso, júpiter
maçã enquanto escrevo
no computador da minha
garota, acho que ela preferia
ser chamada “minha garota”
apenas, a mais improvável,
a mais difícil, a mais louca,
aquela que, se fôssemos
loiros nascidos em marienbad
e falantes como ventríloquos,
ou se este computador onde
agora escrevo fosse em mil
oitocentos e pouquíssimos
seria como se eu escrevesse
no seu diário as minhas ideias,
mas a alguns compete medir
a labuta por curva de lufada,
estamos aqui, apesar do amigo
que viaja em busca do frio,
escute amigo, estamos todos
de cuecas samba-canção,
com júpiter maçã, sorrindo
pois de todo modo não se sabe,
não se sabe muito sobre nós,
pense bem, meu amor, escrevo
agora para você – o que você
sempre reclama que nunca faço
e agora eu aqui, você no espelho
e mais um que migra para o frio,
enquanto você, toda torta e súbita,
é o forno do meu queixo trêmulo
diante do êxodo da nossa bússola

 

eu sou os melhores dias

não escrevo, não escrevo mais.
sou tão infantil que doem os dentes.
engulo chocolates novamente,
pretendo cáries e votos de compaixão.
todos têm o que dar, mas não dão.
porque somos finalmente adultos.
ser adulto é horrível, mas é melhor
do que pensar que serei adulto um dia.
agora sou, não tenho nada a não ser
camundongos nos cantos da sala
e uma vida que sempre parece
que vai melhorar, pois sou otimista.
meus amigos fazem coisas nítidas
como filhos, cursos, oficinas de poesia.
tento dormir sempre mais um pouco
porque estou deprimido outra vez
e nessas horas penso em gritar:
mais alguém é capaz de estar assim?
seria bonito ver de perto a tristeza
ou a tentativa de felicidade mórbida
de alguém que já não tenha morrido
e que possa olhar para mim e dizer:
sou triste, estou levando, não sei onde,
não sei se está perto, parece colado,
mas te vejo e me vejo como se tivesse
visto você em outros melhores dias.
eu sou os melhores dias de espera.

 

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